Com a notícia do falecimento do Papa Francisco no último dia 21 de abril, o mundo católico se prepara para um dos rituais mais misteriosos e fascinantes da Igreja: o conclave. Para quem assistiu ao ótimo thriller Conclave, estrelado por Ralph Fiennes e lançado em 2023, algumas dúvidas podem surgir sobre o que é realidade e o que é ficção hollywoodiana no processo de escolha do novo pontífice.
‘Conclave’: das páginas às telas
Antes de mergulharmos no ritual, vale destacar que o filme é uma adaptação do best-seller homônimo de Robert Harris, publicado em 2016. O que poucos sabem é que Harris contou com uma fonte privilegiada durante sua pesquisa: o cardeal inglês Cormac Murphy O’Connor, que participou dos conclaves de 2005 e 2013 que elegeram os papas Bento XVI e Francisco, respectivamente. O cardeal, falecido em 2017, forneceu insights valiosos sobre os bastidores desse processo secular, enriquecendo a narrativa com detalhes que só um insider poderia compartilhar.

Não é à toa que a produção conseguiu capturar com tanta precisão a atmosfera do Vaticano. O roteirista Peter Straughan e o diretor Edward Berger tiveram o privilégio raro de realizar um tour privado e completo pela Capela Sistina, permitindo que ambientassem o filme com um realismo impressionante nas cenas que se passam neste local sagrado e historicamente restrito.
O básico do conclave: o filme acertou?
O conclave é o procedimento pelo qual a Igreja Católica elege um novo Papa. O filme dirigido por Edward Berger acerta em vários aspectos deste procedimento. Sim, os cardeais realmente ficam trancados na Capela Sistina (a palavra “conclave” vem do latim “cum clave”, que significa “com chave”), completamente isolados do mundo exterior.
Este isolamento não é apenas simbólico: os cardeais são proibidos de se comunicar com qualquer pessoa fora da Capela Sistina durante todo o processo. Nada de celulares, internet, jornais ou televisão – um contraste radical com nosso mundo hiperconectado. Esta “desconexão” é levada tão a sério que técnicos vasculham o local em busca de dispositivos de escuta, e aparelhos de interferência são instalados para evitar comunicações clandestinas.
O ritual de queimar as cédulas após cada votação é fielmente retratado, com a fumaça preta sinalizando que não houve decisão e a branca anunciando que um novo papa foi escolhido. O ritual de vestir o novo pontífice com as vestes brancas também é preciso, assim como o famoso “Habemus Papam” anunciado da sacada para a multidão reunida na Praça São Pedro.
A política do sagrado: alianças e divisões reais
Embora o filme dramatize as intrigas políticas, a realidade do conclave envolve, sim, articulações complexas entre diferentes facções do Colégio de Cardeais. A Igreja Católica moderna é dividida entre alas progressistas, moderadas e conservadoras, cada uma com visões distintas sobre questões como celibato sacerdotal, papel das mulheres na Igreja, abordagem a temas LGBTQ+, e posicionamento sobre questões sociais e econômicas globais.
Assim, durante um conclave real, estas diferenças ideológicas se manifestam através de alianças estratégicas e negociações discretas. Os cardeais se encontram informalmente durante as refeições e períodos de descanso, onde conversas aparentemente casuais podem determinar o futuro da Igreja. Embora as regras proíbam pedir votos explicitamente, um jogo sofisticado de influências existe, onde cada participante calcula cuidadosamente cada gesto e palavra.
A eleição do Papa Francisco em 2013, por exemplo, representou uma vitória para a ala mais reformista da Igreja, após décadas de papados mais conservadores. O próximo conclave certamente terá como pano de fundo a questão: continuar o caminho de reformas iniciado por Francisco ou retornar a posições mais tradicionais?
Pontos em que ‘Conclave’ exagera (e muito!)
Aqui é onde Hollywood entra em cena. O filme mostra e intensifica dramaticamente as conspirações e rivalidades para o entretenimento. Enquanto existem divisões reais entre os cardeais, é altamente improvável que ocorram investigações paralelas como as conduzidas pelo personagem de Ralph Fiennes.
Mas e a grande reviravolta do filme? Totalmente fictícia. Sem dar spoilers para quem ainda não assistiu, digamos apenas que a Igreja tem regras rígidas sobre quem pode se tornar papa, e o desfecho do filme é… criativo, para dizer o mínimo.
Quanto tempo realmente dura um conclave?
O conclave no filme acontece em poucos dias intensos. Na realidade, pode durar muito mais tempo. O conclave mais longo da história durou quase três anos (1268-1271)! Nos tempos modernos, eles têm sido mais rápidos. O conclave que elegeu o Papa Francisco em 2013 durou apenas dois dias.

O que podemos esperar agora?
Com a morte de Francisco, nos próximos dias o Colégio de Cardeais se reunirá para preparar o conclave. Mas, diferentemente do filme, não há necessariamente intrigas sangrentas nos corredores do Vaticano (pelo menos, é o que esperamos!).
O que veremos será um processo com séculos de tradição. 120 cardeais eleitores (aqueles com menos de 80 anos) se reunirão para escolher quem liderará os 1,3 bilhão de católicos ao redor do mundo.
Assim, papa Francisco, conhecido por seu estilo humilde e abordagem mais progressista em questões sociais, deixa um legado importante e sapatos difíceis de preencher. A grande questão agora é: a Igreja seguirá o caminho de reformas que ele iniciou ou optará por um retorno a posturas mais tradicionais?
Enquanto aguardamos o início do conclave real, o filme permanece como uma versão dramatizada e entretida – mas lembre-se de assisti-lo com uma boa dose de ceticismo e um punhado de sal bento. Para quem se interessa pelos mecanismos de poder da instituição mais antiga do mundo ocidental, compreender o verdadeiro funcionamento do conclave é fascinante tanto quanto qualquer thriller de Hollywood.