Em tempos em que as biografias musicais ganham destaque nas telonas brasileiras, Homem com H estreia nesta quinta-feira, 1, com a promessa de revelar uma das trajetórias mais fascinantes e transgressoras da cultura nacional. A cinebiografia de Ney Matogrosso, assinada pelo diretor Esmir Filho (Verlust, Alguma Coisa Assim), retrata muito mais que a carreira do cantor. O filme apresenta o homem que revolucionou a performance artística brasileira em plena ditadura militar.
Da infância no Mato Grosso do Sul ao estrelato nacional
Homem com H percorre cronologicamente a história de Ney de Souza Pereira desde sua infância em Bela Vista (MS), onde enfrentava constantes embates com o pai (interpretado por Rômulo Braga) que insistia para que o menino “virasse homem”. Esta relação conturbada acabou afastando Ney de sua família antes mesmo de sua imersão no mundo artístico.
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Protagonizado por Jesuíta Barbosa, conhecido por trabalhos como Tatuagem e Praia do Futuro, o filme Homem com H acompanha a chegada de Ney a São Paulo. Depois, também sua ascensão como vocalista dos Secos & Molhados, ao lado de João Ricardo (Mauro Soares) e Gerson Conrad (Jeff Lyrio). Foi nesse período que o artista começou a construir sua identidade visual e sonora inconfundível.
A transformação em ícone cultural
Um dos momentos mais impactantes de Homem com H é a recriação da turnê Bandido, de 1976, cena que também ilustra o pôster oficial do longa.
Na sequência, é possível observar os elementos que tornaram Ney Matogrosso uma figura revolucionária. São os figurinos com referências animalescas, maquiagens inspiradas no teatro Kabuki japonês e uma presença cênica que desafiava todas as normas impostas pela sociedade conservadora.
“É uma figura, um bicho, um animal possível”, definiu Jesuíta Barbosa durante coletiva de imprensa sobre o desafio de interpretar Ney.
Para dar vida ao personagem, o ator passou por três meses de intensa preparação corporal e vocal. A ideia era capturar não apenas os trejeitos, mas a essência transgressora do artista.
Além dos palcos: os amores e a intimidade em ‘Homem com H’
A cinebiografia não se limita aos aspectos profissionais. O filme explora os relacionamentos afetivos de Ney, incluindo seu romance com Cazuza (Jullio Reis) e os 13 anos vividos ao lado de Marco de Maria (Bruno Montaleone). O elenco conta ainda com Hermila Guedes como Beíta (mãe de Ney), Carol Abras, Lara Tremoroux e participação especial da cantora Céu como Elvira Pagã.
“Disse que no filme não poderia ter mentira. Só podia ter verdade. E tudo ali é verdade, sem pudor nenhum”, afirmou o próprio Ney Matogrosso sobre sua única exigência para a realização de Homem com H. Este compromisso com a autenticidade é percebido na maneira como o diretor Esmir Filho conduz narrativas potencialmente sensacionalistas com respeito e sensibilidade.
A música, naturalmente, é protagonista no filme. A produção conquistou o licenciamento de 17 clássicos interpretados por Ney ao longo de sua carreira. Dentre eles, Rosa de Hiroshima, Sangue Latino, O Vira, Bandido Corazón e, obviamente, Homem com H.
Em um feito raro para cinebiografias nacionais, algumas cenas de Homem com H contam com a própria voz do cantor dublando o protagonista, enquanto em outras o ator empresta sua interpretação. Dessa forma, a abordagem criativa aproxima ainda mais a ficção da realidade retratada no filme.
Um retrato de resistência cultural
Ao conectar a trajetória pessoal de Ney com o contexto político da ditadura militar, Homem com H transcende o formato biográfico convencional. O filme revela como um artista que desafiava padrões de gênero e comportamento com suas performances transformou-se em símbolo de resistência cultural em um Brasil oprimido.
O longa mostra que, para além dos figurinos extravagantes e da voz potente, Ney Matogrosso representava a possibilidade de liberdade em tempos sombrios. Sua atitude desafiadora não era apenas expressão artística, mas um manifesto vivo contra toda forma de repressão.
Por que assistir ‘Homem com H’
Assim, para fãs do cantor, Homem com H oferece a oportunidade de revisitar momentos icônicos de sua carreira através de reconstituições minuciosas de shows históricos. Para os que conhecem pouco da trajetória de Ney, o filme serve como introdução à história de um dos artistas mais influentes e originais do País.
Mesmo com os desafios estruturais comuns às biografias que tentam condensar décadas em algumas horas, Homem com H consegue emocionar. Afinal, consegue capturar a essência de um artista que, aos 83 anos, continua inspirando gerações com sua independência e autenticidade.
A cinebiografia de Ney Matogrosso chega como um lembrete de que, em tempos onde a liberdade de expressão volta a ser questionada, histórias de resistência artística nunca foram tão necessárias.