LOS ANGELES – O produtor Peter Craig enfrentou um desafio peculiar ao adaptar o romance que deu origem à série Ladrões de Drogas (Dope Thief), da Apple TV+. Precisava transformar uma obra literária introspectiva em um produto televisivo que combinasse drama, thriller e comédia. Questionado pelo Filmelier em mesa redonda, Craig revelou que, embora alguns elementos de suspense e humor já estivessem presentes no livro original, foi necessário inventar novos elementos narrativos para sustentar uma série completa.
“O romance tinha um incidente incitante perfeito. Mas, depois, o autor meio que se considerava um escritor literário e o livro nunca realmente se resolve”, explicou Craig, sem papas na língua. “Eu sabia que isso não se adaptaria bem para a TV. Assim, inventei algumas coisas no início que eu sabia que poderia levar até o final”.

A partir do terceiro episódio, a série se afasta consideravelmente do material original. É uma decisão que contou com o apoio do autor do livro.
Ladrões de Drogas: parceria entre criador e ator
Brian Tyree Henry não apenas protagoniza a série, mas também atua como produtor executivo. É uma experiência que descreve como “um sonho”. Para o ator, essa dupla função permitiu uma contribuição mais ampla para o universo da produção, algo que considera essencial para qualquer intérprete. “É algo que todos os atores sempre querem sentir que estão fazendo: contribuir para o universo real da obra”, afirmou.
A colaboração entre Craig e Henry se mostrou fundamental para estabelecer a cultura da produção. Henry trouxe uma equipe técnica com quem já havia trabalhado anteriormente, criando um ambiente familiar em meio às condições desafiadoras das filmagens. “Estávamos nas ruas, literalmente correndo para salvar nossas vidas, passando por todos os tipos de altos e baixos”, descreveu o ator.
O método Ridley Scott
A direção de Ridley Scott, que comanda o primeiro episódio, trouxe uma dinâmica única ao set, com o uso simultâneo de seis câmeras. É uma abordagem que remonta à experiência do diretor na televisão dos anos 1950. Scott trabalha a partir de um trailer equipado com seis telas, cortando as cenas em tempo real. Como fazia na TV ao vivo. “É literalmente como Minority Report“, comparou Henry.
Para os atores, essa metodologia representa tanto um desafio quanto uma oportunidade.
“Você não sabe onde todas as câmeras estão. Então você tem que honestamente entrar no set e fazer escolhas. Não pode questionar o que seu personagem está passando”, explicou Henry. O resultado é uma performance mais crua e espontânea, com apenas duas tomadas na maioria das vezes.
Mobilidade Social e o Sistema Prisional Americano
Ladrões de Drogas aborda de forma contundente as dificuldades da mobilidade social nos Estados Unidos, especialmente para ex-presidiários. A série retrata protagonistas presos em “caixas cada vez menores”, como descreve Craig, pessoas inteligentes que não conseguem acessar canais legítimos para usar sua inteligência devido ao estigma criminal.
Henry contextualiza essa realidade através da perspectiva de seus personagens: “Ray bateu um carro aos 15 anos que matou alguém, e de repente o sistema disse ‘bem, você é um adulto e merece ser preso'”, diz. A série explora como dois jovens se tornaram homens dentro do sistema prisional, desenvolvendo um vínculo que transcende as circunstâncias adversas.

Desafios de Ladrões de Drogas
O grande desafio narrativo foi criar empatia por personagens tecnicamente classificados como anti-heróis. Craig conseguiu isso através da humanização de suas contradições e da exposição de sua vulnerabilidade. “Todos os personagens têm uma capacidade incrível para o amor”, observa o criador. Ele destaca como isso os torna simpáticos apesar de suas ações questionáveis.
A série retrata protagonistas amadores em seus crimes, “realmente tentando encontrar uma forma de sobreviver”, como define Henry. O que começa como um roubo simples se transforma rapidamente em uma perigosa ação de vida ou morte. Isso força os personagens a lidar com traficantes perigosos. E, claro, com as consequências de terem descoberto uma operação muito maior do que imaginavam.
Essa imperfeição os torna mais humanos e conecta com o público de forma autêntica. O humor surge naturalmente dessas situações. É o caso da cena em que Ray atende um telefone roubado fazendo um terrível sotaque de Boston.
A obra se estabelece assim como uma reflexão sobre moralidade relativa em uma sociedade desigual, onde, nas palavras de Craig, “todo mundo está roubando de todo mundo para começar”. É uma história sobre pessoas reais tentando ser boas. Mesmo sem saber exatamente o que isso significa.