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‘A Meia-Irmã Feia’ e o feminismo no cinema de terror

O que você verá aqui:

O terror sempre foi um espelho distorcido da realidade. E, quando falamos sobre ser mulher, essa distorção quase nem é necessária: o medo já está em viver. O cinema de horror, mais especificamente nos últimos anos, tem explorado o terror que é ser mulher em uma sociedade que controla, vigia, pune e silencia.

Conheça a trama do novo filme body horror A Meia-Irmã Feia e outros filmes que abordam o terror feminista.

Do direito reprodutivo ao julgamento moral, da maternidade compulsória ao fundamentalismo religioso, o gênero encontrou no corpo feminino um espaço político e escancarou que o verdadeiro monstro da história é o patriarcado que o assola e assusta.

O que define o terror feminista?

Apesar de ser um dos gêneros em que mulheres têm mais tempo de tela, o terror historicamente não ofereceu a elas narrativas que refletissem sua experiência real. Muitas protagonistas foram moldadas para servir ao male gaze: corpos para serem observados, punidos, sacrificados. Mas, em contraste a esse repertório majoritariamente dirigido por homens, emergem obras que reconfiguram o olhar — o chamado terror feminista. Aqui, o horror serve como denúncia e reflexão. Essas histórias se apropriam da linguagem do gênero para expor e confrontar a misoginia estrutural, o controle dos corpos, a violência doméstica, a histerização da mulher e a desigualdade cotidiana. Ao invés de vítimas passivas, vemos personagens que resistem, se vingam, reivindicam o direito de serem complexas, e mais primal, de sobreviverem. Esses filmes além de colocarem mulheres no centro da trama, desestabilizam o olhar reducionista às suas vivências.

Cena do filme Fresh (2022) com Daisy Edgar-Jones, ilustrando o terror feminista contemporâneo que discute a objetificação do corpo feminino
Daisy Edgar-Jones em Fresh (2022), terror que usa o canibalismo como metáfora para a objetificação e consumo dos corpos femininos (Créditos: Searchlight Pictures)

A evolução da “Scream Queen” à “Final Girl”

Em Um Tiro na Noite (Blow Out, 1978), de Brian De Palma, o protagonista vivido por John Travolta busca o grito feminino perfeito para compor seu próximo filme de terror de baixo orçamento. Embora o filme não trate necessariamente dessa busca, mas sim de barulhos internos mais inquietantes do personagem, ele revela um pano de fundo interessante sobre o termo Scream Girls (ou Scream Queens). O arquétipo surgiu ainda no cinema mudo, nos anos 1930, mas só se popularizou décadas depois, permanecendo relevante até os dias atuais, geralmente associado a mulheres com características marcantes e peculiares.

O grito como espetáculo: as “Scream Queens” e o “male gaze”

Cena icônica de Janet Leigh em Psicose (1960), exemplo clássico do arquétipo da 'Scream Girl' no cinema de terror, onde a mulher é vista como vítima.
Janet Leigh na clássica cena do chuveiro em Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, o exemplo máximo da Scream Girl como corpo a ser punido (Créditos: Paramount Pictures)

A sobrevivente “pura”: o nascimento da “Final Girl”

Como observa Kaplan (1995) em seu livro intitulado “A mulher e o cinema: os dois lados da câmera”, as primeiras representações femininas no terror eram moldadas por um olhar masculino: mulheres eram desejáveis, frágeis e, quando ousavam romper esse script, eram punidas. A Scream Girl era o corpo que sofria, corria e morria — como exemplifica o icônico grito em Psicose (1960).

Jamie Lee Curtis como Laurie Strode em Halloween (1978), o principal exemplo do arquétipo da 'Final Girl', a sobrevivente moralmente pura do terror slasher
Jamie Lee Curtis como Laurie Strode em Halloween (1978), personagem que consolidou o arquétipo da ‘Final Girl’ no cinema de terror (Créditos: Compass International Pictures)

De vítima a estrategista: a subversão do arquétipo

Nos anos 1980, surge a Final Girl, conceito desenvolvido por Carol J. Clover em Men, Women, and Chainsaws. Diferente da Scream Girl, a sobrevivente não morre, mas vive — por ser moralmente “pura”: não bebe, não transa, é considerada superior às outras mulheres e, assim, premiada pela docilidade. Aos poucos, o gênero se reconfigurou, dando mais camadas a essas personagens. Nancy, em A Hora do Pesadelo, e Ellen Ripley, em Alien, passam de vítimas a estrategistas. Nos anos 1990, Sidney Prescott, em Pânico, se torna um símbolo cultural ao sobreviver não por moralidade, mas por resiliência e inteligência.

Sigourney Weaver como Ellen Ripley em Alien (1979), marcando a evolução da 'Final Girl' de vítima passiva para uma estrategista de sobrevivência
Sigourney Weaver como Ellen Ripley em Alien – O Oitavo Passageiro (1979), uma ‘Final Girl’ que subverteu o arquétipo ao focar na inteligência e estratégia, não na pureza (Créditos: 20th Century Fox)

No terror contemporâneo, a Final Girl não existe apenas para ser admirada — ela sobrevive porque luta, falha, enlouquece, mata. Não é uma heroína plana; é uma mulher complexa, ambígua, inquietante, como Pearl, interpretada com intensidade por Mia Goth. Hoje, a Final Girl pode ser vilã, vítima ou ambas.

O viés racial e a nova sobrevivência pela sororidade

Apesar dos avanços, o padrão ainda é racializado: durante décadas, personagens negras e latinas eram as primeiras a morrer, reduzidas a símbolos descartáveis dentro da narrativa. Obras recentes como Pisque Duas Vezes (Blink Twice, 2024), Nós (Us, 2019), A Lenda de Candyman (2021) e Noites Brutais (Barbarian, 2022) rompem com essa lógica, trazendo protagonistas que enfrentam não apenas o terror sobrenatural, mas também o terror estrutural do racismo e do colonialismo.

Outro movimento importante tem ganhado força: a descentralização da sobrevivência. Se antes apenas uma Final Girl era permitida no fim, agora vemos narrativas em que duas mulheres sobrevivem juntas, compartilhando o trauma, estratégia e a resistência. Essa mudança aparece em obras recentes como Pisque Duas Vezes (2024), Morte, Morte, Morte (2022) e A Rua do Medo (2021), onde a sobrevivência não é mais mérito individual, mas um gesto de sororidade.

Naomi Ackie e Alia Shawkat em cena de Pisque Duas Vezes (2024), exemplo de terror feminista focado na sobrevivência coletiva e sororidade
Naomi Ackie e Alia Shawkat em Pisque Duas Vezes (2024), filme que atualiza a ‘Final Girl’ para uma narrativa de sobrevivência baseada na sororidade (Créditos: Amazon MGM Studios)

As pioneiras que subverteram o gênero

Quando pensamos em horror feminista, muitas vezes olhamos apenas para o presente, esquecendo que mulheres já estavam reinventando o gênero décadas atrás, mesmo sem reconhecimento crítico.

A Vampira de Veludo (1971) e o desejo feminino

Nos anos 1970, Stephanie Rothman subverteu o erotismo vampírico em A Vampira de Veludo (The Velvet Vampire, 1971), criando uma vampira que não é fetiche para o olhar masculino, mas símbolo de desejo feminino autônomo — e, por isso, vista como monstruosa.

Vingança Macabra (1985) e a voz silenciada

Já nos anos 1980, Roberta Findlay explorou o terror sobrenatural como ferramenta de denúncia social em Vingança Macabra (The Oracle, 1985), onde a voz feminina — literalmente vinda do além — insiste em ser ouvida apesar das tentativas de silenciamento. Ambas filmaram a mulher não como vítima ou espetáculo, mas como corpo político, desejante e perigoso.

Cena de A Vampira de Veludo (1971), de Stephanie Rothman, um dos filmes pioneiros do horror feminista que retrata o desejo feminino autônomo
A Vampira de Veludo (1971), dirigido pela pioneira Stephanie Rothman, usou o horror para explorar o desejo feminino autônomo (Créditos: New World Pictures)

O horror de ser mulher em um mundo patriarcal: os temas centrais do terror feminista contemporâneo

“Body horror”: o corpo feminino como campo de batalha

Há séculos, o corpo das mulheres é vigiado, corrigido, silenciado: como deve parecer, como deve se mover, o que pode ou não desejar. O cinema de terror, especialmente o body horror (horror corporal), expõe essas violências tornando-as carne, sangue e metamorfose. A filmografia de Julia Ducournau, nos presenteia com títulos interessantes como Junior (2011), Raw (2016) e Titane (2021), revela corpos em conflito com expectativas sociais, familiares e estéticas. Da mesma forma, A Substância (2024), de Coralie Fargeat, transforma o gore em crítica feroz às pressões que moldam e destroem a identidade feminina. Aqui, o monstro não é externo: ele é aquilo que nos forçam a ser. Mais recentemente, o europeu A Meia-Irmã Feia (2025) aprofunda esse gesto, mostrando como a violência não se dá apenas na carne, mas na maneira como a sociedade esculpe e hierarquiza os corpos femininos desde de muito cedo.

Cena do filme 'A Substância', com Demi Moore (Crédito: MUBI)
Cena do filme A Substância, com Demi Moore (Crédito: MUBI)

A Meia-Irmã Feia: a feiura como construção social

Entre os títulos recentes que expandem a linguagem do terror feminista, A Meia-Irmã (The Ugly Stepsister, 2025), dirigido por Emilie Kristine Blichfeldt, se destaca como um dos mais provocadores. O filme revisita o velho conto de fadas da “meia-irmã feia” — a figura tradicionalmente ridicularizada, desumanizada e colocada como contraste da beleza idealizada da protagonista.

Cena principal de A Meia-Irmã Feia (2025), onde a mãe ajusta uma máscara no rosto da filha, simbolizando o horror dos padrões de beleza
Cena de A Meia-Irmã Feia (2025), que usa o ‘body horror’ para criticar a construção social da feiura e os padrões estéticos impostos às mulheres (Créditos: Divulgação)

Mas aqui, a feiura não é um traço físico: é uma construção social. Blichfeldt utiliza o grotesco como ferramenta para denunciar como mulheres são comparadas, classificadas e punidas por não corresponderem ao ideal de feminilidade aceitável. E o mais horrendo, onde o corpo feminino se torna palco de disputa simbólica: ser desejável é uma prisão; ser indesejável é uma sentença.

Religião, culpa e maternidade compulsória

A religião historicamente impôs às mulheres papéis rígidos: mãe, santa, esposa obediente. A Primeira Profecia (The First Omen, 2024), de Arkasha Stevenson, e Imaculada (Immaculate, 2024) de Michael Mohan e o brasileiro Raquel 1:1 (2022), de Mariana Bastos, mostram como o fundamentalismo religioso molda comportamentos, controla desejos e decide destinos. A maternidade, nesses filmes, não é dom; é cárcere. A fé não consola; vigia.

Cena de A Primeira Profecia (2024) com Nell Tiger Free, exemplo de terror feminista sobre fundamentalismo religioso e maternidade compulsória
Nell Tiger Free em A Primeira Profecia (2024), longa que aborda o controle religioso sobre o corpo feminino e o horror da maternidade compulsória. (Créditos: 20th Century Studios)

Mais filmes de terror feminista para colocar na sua lista

Outros filmes que abordam essas questões:

Cena do filme brasileiro Medusa (2021), de Anita Rocha da Silveira, que usa a linguagem do terror para criticar o fundamentalismo religioso e o controle sobre mulheres
O filme brasileiro Medusa (2021), de Anita Rocha da Silveira, explora o terror do fundamentalismo religioso e a repressão feminina (Créditos: Vitrine Filmes)

Outros filmes de terror feminista para colocar na sua lista:

Cena em preto e branco do filme Garota Sombria Caminha pela Noite (2014), de Ana Lily Amirpour, um dos destaques do terror feminista moderno
Garota Sombria Caminha pela Noite (2014), de Ana Lily Amirpour, subverte o gênero ao transformar a figura feminina em uma predadora vingativa. (Créditos: Vice Films)

O cinema precisa de mais horror feminista

O terror feminista transforma corpo, desejo e raiva em linguagem. Ele recusa a docilidade como destino e expõe a violência cotidiana que estrutura a experiência de ser mulher. Não se trata de criar heroínas perfeitas, mas de permitir personagens complexas, feridas, vingativas, vivas.

Sobretudo, esse movimento reforça a urgência de abordar essas narrativas sem recorrer à fetichização do sofrimento feminino — uma armadilha histórica do gênero. Ainda há muito a ser revisto e desconstruído, mas, quando o horror olha para as mulheres com responsabilidade e profundidade, ele se torna um campo fértil para politizar nossos medos mais intrínsecos e dar à luz a histórias mais realistas, empáticas e inquietantes.

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