Ação e reação. É disso que vive o cinema. Quando um tipo de filme começa a fazer sucesso, logo os estúdios correm atrás para fazer igual. Só que, é claro, rapidamente o público começa a saturar daquilo. E é aí que vem a sacada dos produtores: fazer algo que surfe na mesma onda, mas negando tudo aquilo que foi feito antes. Contra a ação fantasiosa, um realismo contagiante nos socos e pontapés. Contra as comédias românticas dos anos 2000, besteirol sem fim. E por aí vai. Agora, o mesmo movimento começa a acontecer com as cinebiografias: após filmes empolgantes e exagerados, como Bohemian Rhapsody e Elvis, chegam os longas mais pé no chão, sem momentos de explosão, como Um Completo Desconhecido, ainda em 2024, e agora Springsteen: Salve-me do Desconhecido.
Com direção de Scott Cooper (Black Mass) e estreia desta quinta-feira, 31, o longa-metragem é a cinebiografia que tenta dar conta da música e do sucesso de Bruce Springsteen. The Boss! No entanto, esqueça os cenários e figurinos grandiosos de Rocketman, o final prolongado de Bohemian Rhapsody, a direção estilizada de Elvis. Aqui, Cooper coloca os pés no chão. Springsteen (vivido por Jeremy Allen White) já está fazendo um sucesso monumental — afinal, é o começo dos anos 1980. Mas as coisas não vão bem. Ele está cansado. Não tem tanto dinheiro. E pior: está vivendo um momento depressivo, em que não encontra sentido nas coisas ao redor.

Springsteen: Salve-me do Desconhecido: um filme de vazios
E é daí que nasce o coração de Springsteen: Salve-me do Desconhecido. Enquanto as cinebiografias dos últimos anos apostavam na grandiosidade, Cooper aposta na quietude. No pequeno. A música não nasce necessariamente de um momento catártico ou de uma conversa banal (talvez o maior erro de Bohemian Rhapsody, ao lado das dentaduras de Rami Malek), mas sim do vazio. Bruce não entende o mundo ao seu redor. Pior: ele não se entende. A partir disso, vive um processo criativo doloroso. Nada sai fácil do coração.
Assim, o longa-metragem se revela incessantemente anti-climático. Quem espera mais um filme-espetáculo vai se decepcionar com o que tem aqui. Silêncios, digressões, angústias. Bruce não está bem. É basicamente um passo além do que foi feito no ótimo longa-metragem sobre Bob Dylan lançado ano passado. Lá, ele não sabe ser famoso. Não compreende a fama. Aqui, Bruce não se entende.
O que o filme vai além, assim, é na falta de espetáculo de fato. Um Completo Desconhecido ainda tem momentos explosivos, como o show de Dylan com Joan Baez. Aqui, nem isso. Springsteen: Salve-me do Desconhecido é sobre um artista que vê sua arte nascer da tristeza. O vazio toma conta. Um quer ser desconhecido. O outro simplesmente não entende o que está do lado de lá. Uma palavra igual nos títulos em português, mas que dizem coisas diferentes.
Entre o tédio e a contemplação
Esse fato de ser um filme mais pé no chão e menos espetacular — no sentido do espetáculo mesmo –, não é nem bom nem ruim. É uma constatação. O fato é que Cooper parece não ser o melhor cineasta para comandar essa boa ideia que, afinal, não sabemos de onde veio. Do roteiro? Do estúdio? Dos produtores? Do próprio Bruce?
Diretor de filmes absolutamente medianos como O Pálido Olho Azul, Hostis, Tudo por Justiça e Coração Louco, Scott Cooper sabe fazer o arroz com feijão. E só. Não é um diretor de grandes aparatos visuais, de grandes ideias narrativas. Tudo segue caminhos óbvios e sonolentos. O mesmo vale para Springsteen: Salve-me do Desconhecido. A boa ideia funciona no início, mas nunca é completa. Muito do filme não se sustenta.
Por exemplo: logo no início, ele engata um relacionamento. As coisas não vão bem, claro. É esperado que surja algo potente dali, mas não. Só mais um exemplo de como Bruce estava mal — a personagem-namorada sequer tem um final. É tempo jogado fora, sem muita conexão com o que está sendo contado. O vazio de Bruce, como acontece muitas vezes no cinema, toma conta do filme como um todo.
Falta se importar com alguém em Springsteen: Salve-me do Desconhecido
No final, a sensação é de que o longa-metragem é flat, banal, raso. Não só a história fica dando voltas e voltas no mesmo lugar, sem avançar muito, como não abre espaço para o público se importar com histórias e personagens. Naturalmente gostamos de Bruce. É claro. Fora que Jeremy Allen White, de The Bear, entrega uma boa atuação — mesmo com Jeremy Strong chamando mais a atenção como o agente do The Boss. Mas, de novo: a história é tão sem vida que não há espaço para nos envolver com Springsteen.
Nem com Jon, o agente vivido por Strong. Sequer pela namorada preterida de Odessa Young. Ou, ainda, com todo o drama familiar envolvendo o pai alcoólatra (de novo!) interpretado de maneira um tanto canastrona pelo ótimo Stephen Graham, de Adolescência.
Tudo passa batido. E Springsteen, mesmo com uma boa ideia para reverter as expectativas, não chega lá. Não consegue ser original como queria, já que é apenas chato, e também não é um filme-celebração, nessa busca por negar o que veio antes. Tudo bem. É preciso dar o braço a torcer que a ideia é realmente boa. Um filme contido sobre um astro do rock! Mas não adianta ter boas ideias se não são bem executadas. E para um filme falando sobre Bruce Springsteen, era preciso mais — mais inspiração, ousadia e, acima de tudo, mais cinema.








