Há algo de corajoso em Angelina Jolie quando ela aceita interpretar Maxine Walker, cineasta quarentona que recebe um diagnóstico de câncer durante a Semana de Moda de Paris. Não é apenas a doença que exige coragem da atriz, mas a escolha de despir-se de qualquer armadura — aquela presença imponente que a acompanha desde sempre — para entregar uma performance crua, quase desprotegida. Em Couture, longa-metragem que chega ao Brasil pela Synapse Distribution e será exibido pela primeira vez no Festival do Rio, Jolie nos lembra que grandes atrizes não precisam gritar para serem ouvidas.
Dirigido por Alice Winocour, o longa entrelaça graciosamente as vidas de três mulheres — Maxine, a modelo sul-sudanesa Ada (Anyier Anei) e a maquiadora Angèle (Ella Rumpf) — sem hierarquias óbvias, dando espaço para que cada história respire. Acerto raro em tramas assim. A edição desliza entre os universos com fluidez quase imperceptível, criando um ritmo contemplativo que embala sem adormecer. É cinema que confia na inteligência do espectador, que não sublinha emoções com trilhas invasivas ou diálogos explicativos.
Couture: moda sem romantismo
O mundo da moda surge aqui despido de romantismo, lembrando algo como Top Model. Winocour mostra os bastidores com olhar atento às mulheres que sustentam a engrenagem. São aquelas pessoas que aplicam base, ajustam tecidos sob pressão, carregam malas. Há beleza nessa escolha, uma generosidade narrativa que recusa transformar personagens secundários em cenário. Ada e Angèle ganham densidade própria. Suas histórias ecoam com urgência particular, e é aí que o filme encontra sua força.
A atuação de Jolie funciona como âncora emocional. Ela habita Maxine com uma fragilidade que nunca se converte em fragilidade técnica — cada gesto parece medido, cada silêncio carrega peso. Quando a câmera se demora em seu rosto, encontramos camadas de medo, raiva e algo próximo da aceitação, tudo convivendo no mesmo plano. É o tipo de trabalho que faz você esquecer que está assistindo a uma das mulheres mais famosas do mundo e te convence de que está diante de alguém lutando para não desmoronar.

Mas Couture não é perfeito, e suas imperfeições revelam certa timidez narrativa. A estrutura coral, embora democrática, dilui momentos que pediam aprofundamento. As histórias de Ada e Angèle acenam com possibilidades fascinantes — a modelo fugindo de um destino imposto, a maquiadora navegando hierarquias invisíveis — mas o roteiro recua no ápice. Quando o filme retorna ao drama médico de Maxine, há uma mudança de tom que parece deslocada. É como se Winocour não confiasse na sutileza que vinha construindo.
O ritmo engasga em alguns trechos, especialmente no segundo ato, onde a alternância entre as protagonistas cria mais fragmentação que complementaridade. Você sente que há material para três filmes aqui, ou talvez para um único mais concentrado em duas delas. A sensação é de estar diante de uma obra que hesita entre ser um mosaico amplo e um retrato íntimo, acabando por habitar um espaço intermediário nem sempre confortável.
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O reencontro com Angelina Jolie
Ainda assim, existe uma qualidade hipnótica na direção de Winocour que compensa tropeços estruturais. A fotografia captura Paris com uma frieza elegante que dialoga com o universo fashion sem cair no cartão-postal. Os figurinos falam tanto quanto os diálogos. E há uma compreensão sensível sobre como mulheres de mundos distintos podem se reconhecer em gestos mínimos, em olhares atravessados, na solidariedade sem palavras.

Couture talvez não seja exatamente o filme definitivo que o talento de Angelina Jolie merece — mas sinaliza que esse reencontro pode estar cada vez mais próximo. Funciona melhor como celebração de um elenco feminino potente e como demonstração de que Alice Winocour segue refinando uma linguagem cinematográfica particular, feita de contenção e camadas. Para quem tiver paciência com seus desvios de rota, o filme oferece recompensas genuínas: um olhar generoso sobre vidas raramente exploradas e a chance de ver uma grande atriz redescobrir sua própria força na vulnerabilidade.
Couture faz parte da seleção do Festival do Rio e terá sua estreia em breve.