Quando um filme consegue ser genuinamente imprevisível em 2025, isso já é motivo de celebração. Em meio a uma sequência frustrante de produções que privilegiam fórmulas seguras em detrimento da criatividade, A Hora do Mal surge como uma lufada de ar fresco no cinema contemporâneo. O novo trabalho de Zach Cregger não apenas confirma o talento demonstrado em Noites Brutais, mas amplia suas ambições narrativas de forma surpreendente.

A premissa inicial parece familiar: crianças de uma escola primária desaparecem simultaneamente de uma pequena cidade americana durante a madrugada. O que diferencia a proposta é a estranheza que permeia cada detalhe desse evento. Todas as crianças saíram de casa correndo, adotando uma postura idêntica e perturbadora. Apenas um aluno da turma permaneceu para trás. A partir desse ponto de partida aparentemente simples, Cregger constrói um quebra-cabeças narrativo de rara complexidade.
O roteiro adota uma estrutura capitular inteligente, alternando entre diferentes perspectivas dos personagens envolvidos no mistério. Conhecemos a professora das crianças (Julia Garner), um pai desesperado (Josh Brolin) e um policial local (Alden Ehrenreich). Cada ponto de vista revela novas camadas da trama, mantendo o espectador constantemente em estado de alerta.
A Hora do Mal vai muito além do óbvio
O grande mérito de A Hora do Mal está em recusar caminhos previsíveis. Não se trata de um procedural policial convencional, mas de uma exploração dos eventos bizarros que gradualmente consomem a comunidade. Cregger navega habilmente entre diferentes registros, equilibrando momentos de investigação meticulosa com sequências de terror visceral.
O filme também incorpora elementos de humor negro que, longe de quebrar a tensão, intensificam o clima de desconforto. Em um cenário cinematográfico frequentemente dominado por categorizações rígidas, a obra desafia classificações fáceis. É possível identificar ecos de David Lynch, Paul Thomas Anderson e John Carpenter, além de referências evidentes a Stephen King — incluindo uma sequência que dialoga diretamente com O Iluminado.
Essa mistura de influências poderia resultar em pastiche, mas Cregger demonstra maturidade ao incorporar essas referências de forma orgânica. O diretor utiliza elementos familiares do gênero para subverter expectativas, conduzindo a narrativa por territórios inexplorados.
Profundidade temática
Embora funcione impecavelmente como thriller sobrenatural, A Hora do Mal oferece camadas interpretativas mais profundas. O que inicialmente sugere uma metáfora sobre violência escolar evolui para uma reflexão complexa sobre abuso, negligência e as dificuldades de comunicação em torno de traumas. Cregger não oferece respostas fáceis, preferindo explorar as zonas cinzentas da experiência humana.
O elenco responde à altura das demandas do roteiro. Julia Garner (A Assistente) entrega uma performance nuançada, enquanto Josh Brolin (Vingadores: Ultimato) e Alden Ehrenreich (Han Solo) demonstram versatilidade ao transitar entre diferentes registros emocionais. A revelação, porém, fica por conta de Amy Madigan, cuja participação — embora não possa ser detalhada sem comprometer surpresas — representa um dos pontos altos do filme.

Cinema corajoso
A Hora do Mal funciona como antídoto para a timidez criativa que tem caracterizado boa parte da produção cinematográfica recente. Cregger não se contenta em repetir fórmulas testadas ou simplesmente exibir rostos conhecidos. Sua abordagem é visceral e desafiadora, priorizando impacto emocional sobre conforto do espectador.
O resultado é uma experiência cinematográfica que permanece na memória muito após os créditos finais. Trata-se de um filme que exige reflexão, que provoca desconforto necessário e que reafirma o potencial transformador do cinema quando este se permite correr riscos. Em um ano que tem decepcionado nas salas de cinema, A Hora do Mal emerge como lembrança poderosa de que a sétima arte ainda pode surpreender, perturbar e, acima de tudo, emocionar de forma genuína.