NOVA YORK – Tem algo de profundamente inquietante em assistir Sydney Sweeney levar um soco de verdade. Não é a violência em si – afinal, estamos falando de um filme sobre boxe. É perceber que aquela atriz conhecida por papéis glamourosos em Euphoria e The White Lotus está ali, transformada em puro músculo e determinação, sangrando de verdade, levando nocautes, desaparecendo completamente em uma mulher que a maioria de nós nunca ouviu falar.
Christy, dirigido por David Michôd (de O Rei e The Rover), é uma daquelas gratas surpresas da temporada de premiações que te pega desprevenido. Não é só mais uma cinebiografia esportiva com arco previsível de superação. É um filme sobre lutar – no ringue, em casa, por sua identidade, por sua vida. E Sydney Sweeney, em uma performance que pode finalmente fazer Hollywood levá-la a sério como atriz dramática, carrega tudo isso nos ombros com uma intensidade quase assustadora.

Durante coletiva de imprensa para votantes do Globo de Ouro em Nova York, Sweeney, ao lado dos colegas Ben Foster e Chad Coleman, compartilhou os bastidores de uma produção que exigiu dela não apenas uma transformação física radical, mas também um mergulho profundo em uma das histórias mais complexas do esporte feminino.
Christy: uma história desconhecida que merecia ser contada
A primeira surpresa para Sydney Sweeney foi descobrir que nunca tinha ouvido falar de Christy Martin. “Eu fiquei chocada por nunca ter ouvido falar sobre ela, ninguém falava sobre essa mulher. E eu pensei: essa é provavelmente uma das pessoas mais importantes que eu vou poder interpretar”, revelou a atriz durante a coletiva.
A história de Martin é, de fato, extraordinária. Vinda de uma pequena cidade na Virgínia Ocidental, ela descobriu um talento excepcional para o boxe no final dos anos 1980, tornando-se uma das primeiras mulheres a ganhar destaque no esporte. Mas enquanto sua carreira decolava sob a orientação de seu treinador Jim Martin – que logo se tornaria seu marido –, Christy enfrentava batalhas ainda mais brutais fora do ringue: um casamento marcado por abusos físicos e psicológicos que quase custou sua vida.
Três meses de transformação radical
Para dar vida à boxeadora, Sweeney passou por três meses intensos de preparação. O que muitos não sabem é que a atriz já tinha experiência prévia: ela praticou kickboxing por sete anos. Ainda assim, o desafio foi monumental.
“Eu queria ter certeza de que seria uma transformação não apenas emocional e louca, mas também física. A história de Christy é tão importante. Eu sabia o peso que estava carregando nos meus ombros e pensei: eu preciso desaparecer completamente nisso”, explicou Sydney.
Cada luta mostrada no filme é uma réplica exata de combates reais de Christy Martin – os mesmos golpes, as mesmas combinações, os mesmos nocautes. As cenas foram filmadas com contato total, e Sweeney chegou a sofrer uma concussão durante as gravações. “Tudo que vocês veem, nós estávamos realmente fazendo”, confirmou a atriz, demonstrando o nível de compromisso com a autenticidade.
A fragilidade masculina por trás do monstro
Ben Foster, conhecido por interpretar personagens complexos e moralmente ambíguos, encontrou em Jim Martin um de seus papéis mais desafiadores. O treinador e marido abusivo de Christy poderia facilmente se tornar uma caricatura de vilão, mas Foster e Michôd buscaram algo mais profundo e perturbador.
“Sombrear esses valores do que poderia ser um monstro é, na verdade, na minha opinião, um homem muito frágil”, explicou Foster. “Para Jim, esse é um homem que em certo ponto de sua vida perdeu a trajetória e mal a enxerga quando ela chega, mas aos poucos começa a ver a possibilidade. Como em qualquer relacionamento codependente, ele se perde nisso. David e eu conversamos muito sobre esse tipo de dependência, onde você se perde e como isso pode se tornar perigoso.”
O ator ressaltou que o filme funciona como uma espécie de “cavalo de Troia”: apresenta-se como uma história de resiliência e superação, mas também mergulha sem filtros na violência doméstica. “Ele não começou desse jeito. Como você chega lá? Essas questões eram muito atraentes como ator”, refletiu Foster.
Confiança e intimidade para cenas difíceis em Christy
Um dos aspectos mais impressionantes da produção foi a forma como as cenas mais violentas foram abordadas. Ironicamente, toda a última parte do filme – que mostra os momentos mais sombrios do relacionamento entre Christy e Jim – foi filmada na primeira semana de produção.
“Tivemos que fazer tudo em ordem reversa. Foi muito intenso”, revelou Ben Foster. “Mas você entende seu parceiro de dança muito rapidamente, e Sidney é uma das pessoas que mais trabalha duro.”
Ben Foster complementou, destacando o ambiente seguro criado por David Michôd. “Estávamos tocando em coisas realmente perigosas que acontecem atrás de portas fechadas todos os dias. Sid e eu construímos uma comunicação rapidamente que nos permitiu ir a esses lugares de uma forma física e emocional”, explica.
Sydney destacou uma cena particularmente poderosa, filmada através de uma janela, onde a câmera apenas capta sons do que acontece no quarto. “As coisas que você não vê são às vezes os momentos mais poderosos para mim”, observou.
A relação com Christy Martin
Um elemento crucial para a autenticidade do filme foi a presença constante da própria Christy Martin no set. Sydney Sweeney revelou que as duas se tornaram grandes amigas durante o processo.
“Foi assustador e um privilégio conhecer a pessoa real da história que estávamos contando. Ela viria nos visitar no set o tempo todo. Era tão inspirador poder trocar ideias com ela”, contou a atriz. “Eu perguntava: ‘Ei, você realmente se movia assim?’ Especialmente nas lutas. ‘Como estou indo?’ E ela respondia: ‘Você tem que acertar com força!'”

Sweeney lembrou com carinho de ouvir Christy gritando de empolgação durante as cenas de luta, mesmo sabendo como tudo terminaria. “Ela dizia: ‘Isso parece tão real!'”
Um filme imperfeito, mas necessário
Christy não é um filme perfeito. Há momentos em que poderia explorar mais a vulnerabilidade da protagonista ou aprofundar a complexidade psicológica do marido abusivo. A narrativa segue, em alguns aspectos, fórmulas tradicionais do gênero de cinebiografia esportiva.
Mas o que o filme faz bem – e faz muito bem – é humanizar uma história que merecia ser contada. David Michôd não se esquiva da violência nem romantiza a resiliência. O ato final é particularmente forte, tenso e necessário, elevando o filme acima de suas limitações narrativas.
Sydney Sweeney carrega o filme nos ombros com uma performance física e emocionalmente exaustiva. Ela desaparece completamente no papel, distanciando-se da imagem glamourosa que normalmente projeta. É um trabalho que demonstra sua seriedade como atriz e sua disposição para correr riscos.
Durante as filmagens, a equipe criou um mantra: “vamos ser fortes como Christy”. Sydney revelou que incorporou isso em sua própria vida e espera que o público faça o mesmo.
“Espero que quando as pessoas assistirem e falarem sobre o filme, talvez a força dela possa ser transmitida para outros”, desejou a atriz. “Ela é super inspiradora. Estou extremamente orgulhosa e grata por ter podido fazer este filme.”
Sem as polêmicas recentes envolvendo Sydney Sweeney – que certamente afetaram sua percepção na indústria –, Christy provavelmente estaria em uma posição mais forte na conversa do Oscar. Ainda assim, a performance da atriz merece reconhecimento como uma das melhores do ano, e o filme serve como um importante lembrete de que histórias de mulheres pioneiras no esporte ainda precisam ser contadas.