Pode-se dizer, mesmo faltando dois meses para o final de 2020, que ‘Casa de Antiguidades’ é o filme brasileiro mais bem sucedido da temporada. Foi selecionado para Cannes, que neste ano não teve edição presencial. Foi exibido no TIFF. Destacado pela Variety como possível indicado ao Oscar de Filme Internacional. E, na última semana, recebeu um prêmio em Chicago.
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João Paulo Miranda Maria, diretor de longas de primeira viagem, se diz surpreso com tamanho burburinho ao redor de sua produção. “Não estou pensando no dinheiro, no tapete vermelho. Estou fazendo cinema de arte para dialogar com os mestres do cinema”, diz ao Filmelier. “É uma surpresa que não imaginava. Não é filme para massas. É para certo tipo de público”.
História de ‘Casa de Antiguidades’
De fato, o longa-metragem não é de simples assimilação. Com ecos de ‘Bacurau‘ e ‘O Homem que Virou Suco’, o filme conta a história de Cristóvão (Antonio Pitanga, magistral em cena), um homem de Goiás que é transferido para o sul do Brasil. Lá, porém, ele acaba tendo que enfrentar a intolerância da região, que ainda carrega fortes traços de um colonialismo.

“Comecei a pensar nesse filme em 2015, quando a ideia veio quase como um sonho. Eu me via mais velho em uma casa desconhecida, mas os objetos faziam parte da minha história. Depois, esses objetos faziam parte da história de outros. Uma maluquice”, conta o cineasta, criado no interior e em um ambiente intolerante. “Logo depois, já em 2015, escrevi o roteiro”.
Desde então, João Paulo Miranda Maria vem trabalhando em cima dessa ideia, desse sonho, desse vestígio. Escalou Pitanga para o papel principal, um dos atores mais importantes em atividade e que fez história no Cinema Novo. A eleição de 2018 também parece ter ajudado o diretor e roteirista a criar melhor o ambiente intolerante, já que há breves referências no filme.
Hoje, Miranda Maria também chama a atenção para outra interpretação do filme que só o tempo trouxe. “O Pitanga representa a História do cinema brasileiro”, diz o diretor. “Ele inaugurou grandes cineastas, como Cacá Diegues e Glauber Rocha. Estava no único filme que ganhou a Palma de Ouro. Queria mostrar para o que eu vim. Afinal, ele também representa a nossa memória. A casa de antiguidades é quase que uma Cinemateca”.

Intolerância e preconceito
Ao ser questionado sobre esse movimento similar ao amadurecimento de um bom vinho, em que a ideia vai ganhando profundidade e contornos mais interessantes com o passar do tempo, João fica em um meio termo de alegria e tristeza. Afinal, ‘Casa de Antiguidades’ ganhou força por assimilar esse movimento. No entanto, na vida real, a intolerância corre solta.
“Eu sinto que estamos quase em uma guerra. Mas são nesses momentos que a gente precisa encarar nossos demônios de frente. Não dá para contar histórias para entreter, agradar”, diz ele. “Essa história é uma autorreflexão de cada um. Momentos de crise podem ser revolucionários. Glauber não seria aceita hoje. Nem ‘Laranja Mecânica’. É o nosso momento de ousar”.
“Eu imagino o cinema
muito mais perto da arte
do que do entretenimento”.
Por fim, Miranda Maria destaca que, mesmo com o sucesso de seu filme, vai continuar por um caminho radical. Já tem um outro longa encaminhado, com parcerias latinas, para ampliar ainda mais o destaque. Além disso, fechou acordo para rodar um filme nos Estados Unidos e, segundo o diretor, com total liberdade criativa e de autor — algo que ele diz valorizar. E muito.
“Fui para um caminho radical. Eu imagino o cinema muito mais perto da arte do que do entretenimento. Esse é o meu caminho”, diz ele. “Em um momento de alta do streaming, é difícil um cineasta falar que quer fazer um cinema de autor, que é 8 ou 80. Ame ou odeie. É, enfim, um filme que é também uma luta, uma revolução para acordar. Morrer para renascer”.








