Trinta anos após sua estreia histórica, Carlota Joaquina: Princesa do Brasil retorna aos cinemas nesta quinta-feira, 14, em versão remasterizada, trazendo de volta a obra que marcou a retomada do cinema nacional nos anos 1990. O filme de Carla Camurati, que permaneceu 11 meses em cartaz quando lançado, agora percorre as mesmas salas de cinema onde fez sucesso três décadas atrás, provocando no público a mesma emoção da estreia original.

Importância de Carlota Joaquina
A importância de Carlota Joaquina transcende sua função de entretenimento. Lançado em um momento crítico para o cinema nacional – quando a produção havia despencado de 100 para apenas um ou dois filmes por ano durante o governo Collor -, a obra se tornou um símbolo de resistência cultural. Mais do que isso, ofereceu uma leitura irreverente e acessível da formação do Brasil. Desmistifica a chegada da família real portuguesa e revelando as origens de comportamentos que ainda hoje caracterizam a sociedade brasileira.
“O filme não envelheceu nada. Apesar do tempo ter passado para todos nós, ele permanece atual e a gente ainda está nessa questão desse Brasil colônia”, avalia Marieta Severo, que interpreta a protagonista. A atriz destaca como a obra mantém sua relevância. “Até agora as pessoas querendo também ainda as nossas riquezas naturais, ainda estamos vivendo esse processo desse espírito”.
Para Marco Nanini, que vive Dom João VI de forma hilariante no filme, a experiência de rever a obra foi como “um recreio”, permitindo reviver todos os momentos da produção. “Ver a qualidade dele e também com essa coisa que nós fizemos técnico, que virou agora remastering. Som, imagem. Ficou tudo muito melhor, ficou com mais profundidade, ficou mais bonito o filme”, celebra o ator.
Um novo olhar
A jovem Ludmila Dayer, que atuou no filme com apenas 10 anos e depois chegou a assistir ao longa na escola, agora enxerga a obra com outros olhos. “Eu consegui ver com um olhar atual, uma coisa de 1500 acontecendo com tanta atualidade ainda nos dias de hoje. A coisa da exploração foi muito interessante. É como se estivesse assistindo um novo filme que acabou de ser feito”, diz.
Marieta Severo destaca como o filme expõe traços comportamentais que persistem na sociedade brasileira. “Esse olhar vira-lata que a gente ainda mantém, acho que nos atrapalha muito. O que nos impõe de fora tem que ser obedecido, tem que ser uma regra”, exemplifica a atriz. Ela cita a cena em que uma personagem brasileira imita o penteado de Carlota por acreditar ser “a última moda na Europa”.
Novas histórias
O filme se destaca por abordar a história do Brasil através do olhar infantil. É uma escolha narrativa que, segundo Marieta Severo, “criou uma liberdade enorme” para a fantasia estar presente o tempo todo. Essa abordagem lúdica e irreverente permitiu que o elenco “voasse à vontade”, criando personagens memoráveis que fogem do didatismo histórico tradicional.
A genialidade de Carla Camurati foi transformar limitações orçamentárias em vantagens criativas. Sem recursos para grandes cenários ou efeitos especiais, a diretora apostou na força da narrativa e no talento dos atores, criando um filme que dialoga diretamente com a tradição da chanchada brasileira, mas elevada a um patamar de sofisticação dramatúrgica. O resultado é uma obra que consegue ser ao mesmo tempo popular e erudita, divertida e reflexiva.
A diretora aproveita o relançamento para fazer uma reflexão crítica sobre os rumos do cinema brasileiro atual. “A gente trocou sexo por violência. A gente se habituou à violência de tal maneira e a gente rejeita qualquer coisa que seja mais sexualizada”. Para ela, o cinema perdeu “o que tinha de saboroso, esse perfume da chanchada levado a sério”.
Com isso, o relançamento de Carlota Joaquina representa mais do que nostalgia. É um resgate da memória cinematográfica brasileira e uma oportunidade para novas gerações descobrirem uma obra fundamental. Como define Bianca de Felippes, “esse filme só nos deu alegria e só nos deu trabalho; muito trabalho e muita alegria” – sentimento que se renova três décadas depois, provando que boas histórias não têm prazo de validade.