Ao longo dos últimos anos, o cinema brasileiro começou a mergulhar em tramas “de gênero”. São filmes policiais, de terror e suspense, que começaram a ganhar espaço nas telonas. Agora, estreia mais um exemplar desse movimento: ‘Atrás da Sombra‘, filme goiano de Thiago Camargo.
Estreia do streaming desta sexta-feira, 17, o longa-metragem conta a história de Jorge (Bukassa Kabengele), um investigador particular contratado para descobrir detalhes de uma jovem. Ao chegar na cidade alvo da investigação, porém, ele acaba se deparando com seres sobrenaturais.
“Aqui em Goiás temos muito o costume de fazer acampamentos, fogueiras. Minha inspiração para uma história de fantasmas veio disso”, conta o cineasta, em entrevista coletiva digital realizada nesta terça-feira, 14. “Além disso, queria brincar com o embate entre sobrenatural e racional na trama”.
Aparentemente simples, a trama esconde discussões potentes e vai além de um simples thriller. “O que me chama a atenção no filme são as camadas invisíveis”, comenta Bukassa, conhecido por seus papéis em ‘Vidas Opostas’ e ‘Os Dias Era Assim’. “O filme traz questões, como ‘que lugar o negro tem?'”.
Racismo em ‘Atrás da Sombra’
Apesar de ‘Atrás da Sombra’ não tocar diretamente no tema do racismo, a discussão surge a partir de vários olhares. Primeiramente, o personagem de Bukassa chega em uma pequena cidade de Goiás e logo é visto como um “corpo estranho” ali. É maltratado, abordado por policiais, recebe olhares.
Além disso, o elenco é formado quase que totalmente por atores negros. Thiago Camargo e Daniel Calil contaram, na coletiva, que não tinha previsto que o protagonista seria negro. No entanto, foi natural a escalação de Bukassa — assim como outros profissionais, na frente e atrás das câmeras.
“Eu, como atriz, negra e da periferia, quero contar histórias”, disse Bruna Brito, intérprete da personagem morta e alvo da investigação de Jorge. “Não quero interpretar apenas a empregada, a prostituta. Não quero rótulos”.
Elisa Lucinda, poetisa, cantora e atriz conhecida por seus papéis nas novelas ‘Páginas da Vida’ e ‘Mulheres Apaixonadas’, corroborou a visão de Bruna. Em ‘Atrás da Sombra’, ela interpreta Dalva, uma mulher religiosa e que acaba se revelando intimamente conectada com o crime da região.
“O que mais me chamou a atenção é que a Dalva não é estereotipada. Não é aquela preta velha macumbeira de sempre”, disse ela, também na entrevista coletiva. “Eu encontrei uma personagem me esperando. O Thiago [Cordeiro, diretor do filme] fez uma troca comigo para essa criação”.
Terror em verde e amarelo
Assim, com discussões pertinentes para o atual momento em que vivemos, Cordeiro e o roteirista Daniel Calil abrasileiraram o thriller e o terror. Dando uma visão interiorana e com questões que circundam a realidade do Brasil, há um olhar verde e amarelo do noir e do horror de fantasmas.
“Geralmente, o sobrenatural é americanizado. A gente pensou muito na brasilidade desse tipo de história”, conta o diretor do longa-metragem. “Dessa maneira, nós decidimos usar os códigos do cinema dos Estados Unidos, que definiram esse gênero, mas com uma outra pegada e olhar”.
Por fim, Stepan Nercessian resumiu de onde vem o terror brasileiro: de nós mesmos. “O grande terror brasileiro é a opressão. Os fantasmas, no filme, estão com medo dos vivos”, resume o ator, conhecido por ‘Chacrinha: O Velho Guerreiro’. “O terror, no final das contas, está aqui. Bem entre nós”.
