Não é de hoje que a adultização da infância preocupa pais, psicólogos e educadores. No entanto, o tema explodiu no Brasil recentemente, impulsionado por um vídeo-denúncia do youtuber Felca (Felipe Bressanim) que expôs uma rotina de superexposição infantil na internet. O debate, urgente e necessário, nos convida a refletir sobre como a sociedade e a mídia tratam as crianças.
O cinema e as séries, como espelhos da nossa cultura, há muito tempo investigam essa temática. De dramas independentes a suspenses tecnológicos, diversas obras já nos alertaram para os perigos de roubar a infância, seja pela pressão estética, pela exploração comercial ou pelo abuso disfarçado de entretenimento. Para entender melhor as camadas desse debate, selecionamos 10 filmes e séries essenciais que abordam a adultização e suas graves consequências.
O que é adultização e por que o tema está em alta?
Antes de mergulhar na lista, vale entender o conceito. Adultização é o processo de atribuir a crianças e adolescentes comportamentos, responsabilidades, preocupações e características estéticas que pertencem ao universo adulto. Isso vai desde vestir uma criança com roupas sensuais até expô-la a conteúdos e situações que ela não tem maturidade emocional para processar.
A cultura da hiperexposição e a perda da infância
Na era das redes sociais, a adultização ganhou um novo e perigoso motor: a busca por engajamento. Crianças são transformadas em “mini-influencers”, participando de “dancinhas” com conotação sexual, promovendo produtos e vivendo uma rotina profissional que as priva do direito fundamental de serem apenas crianças. O resultado é um atalho perigoso para problemas como ansiedade, depressão e uma vulnerabilidade extrema a predadores online.
O fenômeno Felca: de vídeo sobre adultização à mobilização nacional
O debate foi reaquecido no país após um vídeo do youtuber Felca analisar conteúdos produzidos pelo influenciador Hytalo Santos. No vídeo, Felca aponta para a erotização de crianças e adolescentes, a exposição de suas vidas privadas e a criação de narrativas que simulam relacionamentos amorosos entre menores de idade para gerar visualizações.
A denúncia, que culminou na prisão de Hytalo Santos em uma operação policial, transformou-se em um movimento. Felca não apenas educou milhões de brasileiros sobre os perigos da adultização e da exposição infantil — que criam um ambiente propício para predadores —, como também tomou uma atitude prática: toda a monetização do vídeo foi doada para ONGs de proteção à infância, como a Childhood Brasil.
O movimento levantou uma discussão nacional sobre a monetização da infância e os limites éticos do conteúdo na internet. A repercussão gerou uma pressão social e política, impulsionando debates no Congresso Nacional sobre a urgência de leis mais rígidas para proteger a imagem de crianças na internet e responsabilizar plataformas. Essa se tornou a grande causa abraçada pelo público: a luta por um ambiente digital mais seguro para os pequenos.
10 filmes e séries que expõem os perigos da adultização e da exploração infantil
As obras a seguir funcionam como alertas e ferramentas de reflexão, mostrando diferentes facetas desse problema complexo. Confira a seleção do Filmelier.
A Garota Artificial (2022)
Este suspense sci-fi recente traz uma abordagem original ao tema. A trama de A Garota Artificial (The Artifice Girl, no original) segue um grupo de agentes que descobre um projeto de inteligência artificial criado para atrair e expor predadores sexuais online. A IA assume a forma de uma menina, a “Cherry”, e o filme levanta questões éticas profundas sobre o uso da imagem infantil, mesmo que digital, para combater um crime, mostrando o quão normalizada a busca por esse tipo de conteúdo se tornou. A produção é considerada um sucesso do cinema independente, com 92% de aprovação no Rotten Tomatoes.
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Manas (2025)
Dirigido por Marianna Brennand, o cinema nacional recente entrega um olhar brutal e regional sobre a adultização. Ambientado na Ilha do Marajó, o filme premiado no Festival de Veneza acompanha Marcielle, de 13 anos, que idealiza a irmã mais velha que partiu “após arrumar um man bom”. Conforme amadurece, a jovem vê essa idealização ruir ao se deparar com ambientes abusivos. A obra retrata um ciclo de amadurecimento forçado, onde a ausência de perspectivas empurra meninas para um destino violento, obrigando-as a confrontar uma realidade adulta para a qual não estão preparadas.
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Lindinhas (2020)
Talvez nenhum filme recente tenha gerado tanta controvérsia sobre o tema quanto Lindinhas (Cuties, no original). A produção francesa da Netflix acompanha uma menina de 11 anos que, tentando se libertar de uma criação familiar conservadora, entra para um grupo de dança infantil que imita coreografias hipersexualizadas. A diretora Maïmouna Doucouré defende que o filme é uma crítica a essa cultura, mas a obra foi duramente acusada de erotizar suas jovens atrizes. Independentemente da intenção, o filme acerta em cheio ao expor o quão presente e nociva é essa estética no universo infantil.
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Confiar (2010)
Dirigido por David Schwimmer (o Ross de Friends), este filme de 2010 é um soco no estômago. A trama de Confiar (Trust) segue uma adolescente de 14 anos (Liana Liberato) que inicia uma amizade online com um homem (Clive Owen) que ela acredita ser um garoto de sua idade. A história detalha o processo de grooming — a manipulação psicológica que predadores usam para seduzir e abusar de menores. É uma obra fundamental para entender a vulnerabilidade das crianças no ambiente online, e educar pais e filhos sobre os perigos reais das interações anônimas na internet.
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Pequena Miss Sunshine (2006)
Por trás de uma comédia roadmovie cativante, Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine) faz uma crítica poderosa à cultura dos concursos de beleza infantis. Aclamado pela crítica e vencedor de dois Oscars, este filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris segue a jornada da pequena Olive para participar de uma competição. Aos poucos, a produção revela um universo de pressão estética absurda, que inclui bronzeamento artificial e coreografias inadequadas. A cena final, com a dança de “Super Freak”, é um ato de rebeldia que expõe o quão ridículo e nocivo é esse ambiente para uma criança.
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Mapa para as Estrelas (2014)
Com o olhar ácido de David Cronenberg, Mapa para as Estrelas (Maps to the Stars) satiriza a podridão de Hollywood. O foco é a vida de um ator mirim de 13 anos (Evan Bird), recém-saído da reabilitação e já mergulhado em um mundo cínico de fama, drogas e abuso. A obra mostra uma indústria que trata crianças como produtos, expondo-as a um mundo de cinismo, abuso e total ausência de uma infância saudável, onde os próprios pais são os agentes da exploração. No elenco, grandes nomes como Julianne Moore, Robert Pattinson, John Cusack e Mia Wasikowska (Alice no País das Maravilhas, Clube Zero).
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Ninguém Pode Saber (2004)
O mestre japonês Hirokazu Kore-eda se baseia em uma história real para contar a vida de quatro irmãos abandonados pela mãe em um pequeno apartamento em Tóquio. O filho mais velho, de apenas 12 anos, é forçado a se tornar o “chefe” da família, cuidando dos irmãos mais novos. Aqui, a adultização não vem da sexualização, mas da negligência. É um retrato doloroso sobre como a ausência de responsabilidade adulta força as crianças a pularem a etapa mais importante de suas vidas. Ninguém Pode Saber (Nobody Knows, no original), premiado no Festival de Cannes, foi a escolha do Japão para representar o país no Oscar, e tem 93% de aprovação no Rotten Tomatoes.
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Black Mirror: Manda Quem Pode (Shut Up and Dance, 2016)
Este episódio da 3ª temporada de Black Mirror é um dos mais tensos e perturbadores da aclamada série de Charlie Brooker. Um jovens tem seu computador hackeado e é flagrado em um momento íntimo. A partir daí, ele é coagido por hackers a cometer uma série de crimes para não ter sua intimidade exposta. O episódio intitulado Manda Quem Pode (Shut Up and Dance, no original) é uma aula sobre como a privacidade se tornou frágil e como a exposição online pode se transformar em uma arma de chantagem e controle.
As 7 temporadas de Black Mirror estão disponíveis na Netflix.
Lição de Casa (1989)
Neste clássico do cinema iraniano, o diretor Abbas Kiarostami entrevista alunos de uma escola primária sobre seus deveres de casa. O que começa como uma premissa simples se revela uma investigação profunda sobre como o medo, a pressão familiar e a rigidez do sistema educacional moldam (e muitas vezes reprimem) a infância. As crianças respondem com uma seriedade adulta, mostrando que a leveza da infância e a espontaneidade infantil já foram perdidas.
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Um Sonho Sem Limites (1995)
Com uma atuação brilhante de Nicole Kidman, que lhe rendeu o Globo de Ouro, este filme de Gus Van Sant é uma sátira sombria sobre a obsessão pela fama. A personagem de Kidman seduz e manipula um grupo de adolescentes para que eles assassinem seu marido. A personagem usa sua beleza e poder de persuasão para corromper a ingenuidade dos jovens, tratando-os como meros peões em seu jogo doentio. A obra é um exemplo claro de como a ambição adulta pode explorar e desvirtuar a juventude de forma predatória. Com Joaquin Phoenix, Casey Affleck e Matt Dillon no elenco.
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O papel da arte em debates delicados
Assistir a essas obras pode ser desconfortável, mas é exatamente esse o objetivo. O cinema, em seu melhor, não oferece respostas fáceis, mas provoca as perguntas certas. Filmes como esses são essenciais para tirar o debate sobre a adultização do campo da opinião e levá-lo para uma reflexão mais profunda sobre as estruturas sociais que permitem que a infância seja violada.
FAQ – Perguntas frequentes sobre adultização
Qual foi a denúncia feita por Felca?
Felca denunciou a rotina de exposição de crianças e adolescentes nos perfis do influenciador Hytalo Santos, apontando a erotização de menores, a simulação de relacionamentos e a monetização de suas vidas privadas, o que reacendeu o debate sobre os limites da produção de conteúdo envolvendo crianças na internet.
Qual a diferença entre adultização e pedofilia?
Embora os temas possam se cruzar, são conceitos diferentes. A adultização é o ato de impor comportamentos e estéticas adultas a crianças, o que as deixa vulneráveis. A pedofilia é um crime e um transtorno psiquiátrico caracterizado pela atração sexual de um adulto por crianças. A cultura da adultização pode, infelizmente, criar um ambiente que facilita a ação de pedófilos, pois normaliza a sexualização da infância.
Por que o filme Lindinhas (Cuties) foi tão criticado na Netflix?
Lindinhas foi criticado por sua divulgação, que sugeria uma glamourização da hipersexualização infantil, e por cenas que, para muitos, cruzaram a linha entre a crítica e a exploração do tema, erotizando as atrizes mirins.
