A sétima arte sempre foi celebrado como a arte de iludir. Mas, em muitos casos, o custo de transformar imaginação em ação foi pago em acidentes graves nos sets, alguns fatais. Por trás das grandes obras, há histórias de protocolos ignorados, diretores em busca de realismo a qualquer custo e equipes expostas a riscos que poderiam ser evitados. São episódios que, vistos em retrospecto, contam tragédias e alertam sobre as fronteiras entre arte e segurança.
Armas que não deveriam disparar: Rust
O caso mais recente é o de Rust (2025). Em outubro de 2021, durante ensaio do faroeste no Novo México, Alec Baldwin manuseava uma arma que deveria estar descarregada. O disparo matou a diretora de fotografia Halyna Hutchins e feriu o diretor Joel Souza. Baldwin alegou confiar no protocolo de checagem, enquanto sindicatos condenaram a pressa e cortes de custos. O primeiro assistente de direção, David Halls, admitiu o erro e fechou acordo judicial. A armeira Hannah Gutierrez-Reed foi condenada em 2024 por homicídio culposo. Baldwin enfrentou julgamento, mas acabou absolvido após a juíza apontar erros da promotoria.
Ainda assim, sua reputação passou a carregar a associação direta com o acidente. Quando o filme foi lançado em 2025, houve protestos e homenagens a Hutchins. A crítica destacou que assistir às fotografias registradas por ela funcionava como testemunho final de seu trabalho. O episódio reacendeu o debate sobre o uso de armas em sets, gerando campanhas para substituição completa por réplicas de borracha e efeitos digitais, algo que passou a ser adotado em várias obras subsequentes.
Cenários que escondem riscos invisíveis

Acidentes nos sets não começaram no século XXI, mas sim muito anos antes. Em Poltergeist (1982), a atriz JoBeth Williams revelou anos depois que descobriu, durante gravações em um tanque de água, que os ossos usados em cena eram humanos, adquiridos de fornecedores médicos por serem mais baratos do que réplicas. Em outra sequência, o boneco de palhaço enroscou no pescoço de Oliver Robbins. A equipe demorou a perceber, porque a cena exigia luta corpo a corpo, e o sufoco só terminou com intervenção emergencial. Problemas elétricos recorrentes e equipamentos estourando completaram o ambiente tenso. Depois, mortes fora do set alimentaram rumores, mas os fatos registrados falam de descuidos e mecanismos mal regulados. O produtor Steven Spielberg sempre rejeitou rumores de maldição, mas reconheceu imprecisões na segurança.
Décadas antes, em O Mágico de Oz (1939), a ilusão também cobrou caro. Margaret Hamilton, intérprete da Bruxa Má, sofreu queimaduras no rosto e nas mãos por um dispositivo de pirotecnia. Sua maquiagem verde continha compostos tóxicos que agravaram os ferimentos. A dublê, Betty Danko, quase morreu em explosão de vassoura motorizada. E a famosa cena da neve foi filmada com pó de amianto, usado por ser barato e fácil de manusear, sem conhecimento de seus riscos cancerígenos. Judy Garland resumiria anos depois:
“Pagamos o preço do espetáculo sem saber o custo real.”
A dor real vira material de filmagem
Parte do sucesso de O Exorcista (1973) se deu por conta dos incidentes que entraram no corte final do próprio filme. Ellen Burstyn, que interpretou a mãe de Regan, lesionou a coluna em cena em que era arremessada contra a parede. O cabo que a prendia foi puxado com força maior do que o previsto a mando do diretor William Friedkin, que queria registrar dor genuína. O grito que se ouve na tela é resultado de uma lesão real. Linda Blair também se machucou quando a cama motorizada falhou, deixando sequelas crônicas. Um incêndio destruiu cenários, atrasando as gravações, e apenas o quarto de Regan permaneceu intacto, detalhe que alimentou lendas em campanhas de divulgação.

Já em O Massacre da Serra Elétrica (1974), Marilyn Burns sofreu cortes e escoriações durante fugas pela vegetação. Em uma cena, seu dedo foi de fato cortado para obter sangue verdadeiro. Gunnar Hansen — intérprete de Leatherface — usava uma motosserra real em meio a câmeras e técnicos, chegando a tropeçar com o equipamento ligado a centímetros da própria perna. Para coroar o cenário, o calor de mais de 40° C e a presença de animais mortos em cena provocaram desmaios da equipe. A atmosfera de desconforto acabou registrada na tela.
Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (1981) levou o improviso ao limite. Filmado em cabana abandonada, tinha tábuas soltas, pregos expostos e condições precárias. Bruce Campbell torceu o tornozelo diversas vezes e atuou com bandagens visíveis, que foram incorporadas pela equipe, uma vez que esses machucados eram constantes. As lentes rígidas que simulavam olhos possuídos causavam irritação, por serem de plástico rígido e ser difícil para enxergar usando-as e os atores enfrentaram frio noturno intenso e calor de refletores durante o dia, sansuporte médico adequado.
Ação sem rede de proteção
Filmes de ação também acumularam episódios de acidentes nos sets. Jackie Chan, nos anos 1980, dispensava dublês e colecionou ferimentos graves. Em Police Story (1985), sofreu queimaduras e fraturas ao deslizar por poste coberto de lâmpadas que explodiram antes do tempo. Em Armadura de Deus (1986), errou salto entre árvores e fraturou o crânio, passando por cirurgia emergencial. Chan, fazia questão de incluir erros e quedas nos créditos, criando uma aura de autenticidade que levou críticos e sindicatos a questionar se tais práticas estimulavam o descuido.
Na corrida de bigas de Ben-Hur (1959), cavalos se feriram, carruagens tombaram e dublês precisaram de socorro imediato. O caso mais significante envolveu Joe Canutt, substituto de Charlton Heston — lançado para fora da biga em manobra mal calculada. Ele sobreviveu, e parte da cena real foi usada na montagem. Na época, jornais trataram acidentes como parte natural de superproduções. Apenas décadas depois os sindicatos passaram a contestar tais práticas.
A busca por realismo vira risco físico
James Cameron levou sua obsessão a extremos em O Segredo do Abismo (1989). Cenas subaquáticas em tanques especialmente construídos quase custaram a vida a Ed Harris, que ficou longos segundos sem oxigênio. Mary Elizabeth Mastrantonio abandonou o set em lágrimas após repetidas tomadas de ressuscitação que exigiam pressão real em seu peito. Mergulhadores desmaiaram em função de defeitos nos tanques, e o próprio Cameron admitiu que ultrapassou fronteiras seguras. A verossimilhança das gravações foi elogiada, mas o preço humano custou caro.
Stanley Kubrick fez o mesmo em outra escala em O Iluminado (1980). Shelley Duvall foi submetida a repetições exaustivas da cena da escada. O estresse das filmagens, fez com que a atriz sofresse queda de cabelo e colapso emocional que persistiu por anos. Jack Nicholson usou machado real para quebrar portas, espalhando estilhaços perigosos pelo set. O resultado foi um clássico do horror, mas construído sobre desgaste psicológico e da saúde de uma equipe inteira.
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