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Envelhecer não é acabar: o cinema e o envelhecimento

O que você verá aqui:

O envelhecimento é um processo natural, progressivo e diverso, marcado por aspectos culturais, sociais e econômicos. No cinema, nem sempre refletiu essa pluralidade de formas de envelhecer. Frequentemente, personagens idosos aparecem presos a estereótipos: ora vistos como frágeis, doentes ou inúteis; ora como sábios e pacientes. Embora essas imagens possam conter verdades parciais, raramente refletem a complexidade da velhice e acabam transformando essa fase da vida em um terror a ser vivenciado. Porém, tem obras que vão mais a fundo e buscam camadas e discussões pertinentes acerca do tema.

 

 

Envelhecimento: Estereótipos e preconceitos que alguns filmes reforçam

Quando a velhice vira terror, especialmente se for um corpo de uma mulher. Um subgênero do cinema, especialmente popular nos anos 1960 e 1970, que explorava a figura da mulher idosa como monstruosa, vilã ou ameaçadora. Geralmente, esses filmes apresentavam atrizes veteranas em papéis exagerados ou grotescos, muitas vezes como bruxas, fantasmas ou rivais decadentes, reforçando estereótipos negativos sobre a velhice feminina.

Poucas coisas parecem assustar mais Hollywood do que o corpo envelhecido de uma mulher. Desde os anos 1960, com o subgênero hagsploitation, até produções recentes como Noites Brutais (2022), A Hora do Mal (2025) e X: A Marca da Morte (2022), a velhice feminina é frequentemente retratada como metáfora de repulsa, decadência e monstruosidade. É lamentável, pois, embora esses filmes tragam certo frescor às narrativas de terror previsíveis, ainda recaem sobre os mesmos estereótipos.

Esse padrão ecoa arquétipos antigos, como a bruxa de Branca de Neve ou a vilã de O Mágico de Oz, reforçando a ideia de que envelhecer, especialmente para mulheres, é sinônimo de ameaça. Filmes como O Que Aconteceu com Baby Jane? (1962), clássico de Bette Davis, marcaram época ao explorar rivalidades femininas e transformar o corpo envelhecido em espetáculo grotesco.

Diante de produções majoritariamente conduzidas por homens, que reforçam esses padrões narrativos, é possível subverter? A cineasta francesa Coralie Fargeat mostrou que sim — e ainda foi reconhecida com o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes 2024 e teve indicação de Melhor Filme ao Oscar 2025 pelo impactante A Substância, estrelado por Demi Moore e Margaret Qualley. Inserido no subgênero body horror, o filme atualiza esse debate ao expor a obsessão pela juventude e os sacrifícios impostos às mulheres para manterem uma aparência jovem. O terror corporal surge como metáfora contundente da violência estética que atravessa a sociedade. Aqui, o corpo envelhecido não é apenas monstruoso: torna-se denúncia da pressão hollywoodiana sobre as mulheres.

Cena do filme 'A Substância', com Demi Moore (Crédito: MUBI)
Cena do filme ‘A Substância’, com Demi Moore (Crédito: MUBI)

Outras formas de narrar o envelhecimento no cinema

Se a maioria das produções do gênero de terror tendem a reduzir a velhice a monstros e coisas negativas, outros gêneros abordam o tema com maior delicadeza, focando no envelhecimento como memória, autonomia e desejo. 

Meu Pai (2020), de Florian Zeller, é um dos retratos mais potentes e sensíveis da velhice já levados ao cinema. Vencedor do Oscar de Melhor Ator para Anthony Hopkins e de Melhor Roteiro Adaptado em 2021, o filme mergulha na experiência da demência a partir da perspectiva do idoso, fazendo o espectador sentir a confusão, a desorientação e a fragilidade que acompanham a perda de memória. Ao invés de reduzir a velhice a um estereótipo, a obra oferece um olhar profundamente humano, que destaca tanto as vulnerabilidades quanto a dignidade dessa fase da vida. Dentro do debate sobre envelhecimento no cinema, Meu Pai se torna essencial por humanizar a experiência da demência, mostrando que o envelhecer é atravessado por afetos, dores e complexidades que merecem ser narradas com respeito e empatia.

Cena do filme 'Meu Pai' com Anthony Hopkins e Olivia Colman. (Crédito: IMDB)
Cena do filme ‘Meu Pai’ com Anthony Hopkins e Olivia Colman. (Crédito: IMDB)

Tia Virgínia (2023), dirigido por Fábio Meira, traz um retrato íntimo e realista da solidão feminina na velhice. A protagonista, interpretada com enorme sensibilidade por Vera Holtz, é uma mulher de mais de 70 anos que vive à margem das decisões da família e do afeto cotidiano, limitada a papéis sociais que lhe foram impostos ao longo da vida. Com sua atuação precisa, Holtz traduz em silêncios, olhares e gestos contidos a invisibilidade e a melancolia de uma personagem que carrega tanto memórias quanto frustrações. O filme dá voz a uma figura pouco retratada: a mulher idosa que não se encaixa nos estereótipos da avó idealizada ou da matriarca acolhedora.

Ao ampliar o debate sobre o envelhecimento, Tia Virgínia evidencia como a velhice feminina ainda é atravessada por pressões sociais, patriarcais e afetivas que restringem a autonomia das mulheres — mas também revela a potência de revisitar o passado e encarar a própria história. Logo na abertura, uma das imagens mais bonitas surge como metáfora do envelhecer: os relógios na parede, alguns parados, outros quebrados, lembrando que o tempo na velhice pode ser lento, fragmentado ou suspenso, mas nunca deixa de ser carregado de significado.

Cena do filme 'Tia Virgínia' com Vera Holtz. (Crédito: IMDB)
Cena do filme ‘Tia Virgínia’ com Vera Holtz. (Crédito: IMDB)

Outro filme que trabalha de forma delicada com símbolos do tempo e da velhice é O Último Azul (2025), de Gabriel Mascaro, vencedor do Urso de Ouro em Berlim do mesmo ano. A narrativa acompanha Tereza, uma mulher de 77 anos que desafia um governo distópico que envia idosos a colônias isoladas. Em sua jornada pelos rios da Amazônia, ela busca autonomia, liberdade e a realização de desejos próprios. Os animais aparecem como metáforas poderosas desse percurso: pássaros engaiolados evocam o cárcere, enquanto caramujos remetem ao tempo lento e à persistência da vida.

Denise Weinberg entrega uma performance premiada e comovente, dando vida à jornada de autoafirmação de Tereza
Denise Weinberg entrega uma performance premiada e comovente, dando vida à jornada de autoafirmação de Tereza

Como o próprio diretor do filme revelou ao Filmelier, sua intenção era se afastar dos clichês que costumam reduzir a velhice à morte ou à nostalgia. “Eu queria falar sobre esse corpo feminino idoso desejante, sobre o presente, sobre pulsão de vida”, explicou. Assim, O Último Azul amplia o debate iniciado por filmes como Tia Virgínia ao afirmar que envelhecer também pode ser resistência, desejo e reinvenção.

Esses filmes já mostram como o cinema pode desconstruir visões limitadas sobre a velhice, revelando autonomia, memória e resistência. Mas e quando a narrativa se volta para temas ainda mais silenciados, como o amor, o prazer e a sexualidade na maturidade?

Pessoas maduras também amam e transam 

Não há nada mais empoderador do que um corpo feminino maduro e desejante. Boa Sorte, Leo Grande é uma obra rara que aborda o envelhecimento feminino com humor e sensibilidade, explorando a sexualidade na terceira idade sem recorrer a estereótipos degradantes. O filme desafia a ideia de que a vida sexual das pessoas mais velhas deve ser invisível ou motivo de vergonha. Emma Thompson (Cruella), ao assumir seus desejos como Nancy, se torna protagonista de sua própria narrativa, rompendo padrões culturais que ainda marginalizam o prazer na velhice. Além disso, a história provoca reflexões sobre autoconfiança, autoestima e liberdade pessoal, mostrando que a velhice é uma fase em que escolhas, experiências e, por que não, o gozo também podem ser plenamente redescobertos.

Algo ainda mais sensível, explorado no próximo filme, é o desejo de amar o outro — a imprevisibilidade de um sentimento que não se limita à idade. O iraniano Meu Bolo Favorito (2023), dirigido por Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, apresenta Mahin, interpretada por Lily Farhadpour, uma viúva que vive sozinha em Teerã desde a morte do marido e a partida da filha para a Europa. Sua rotina muda quando, após um chá da tarde com amigas, ela conhece Faramarz, vivido por Esmaeel Mehrabi, e tudo se transforma. Mahin rompe com o estigma da invisibilidade feminina na velhice e reivindica sua autonomia afetiva.

O filme aborda, com ternura e coragem, como o desejo e a busca por companhia não se apagam com a idade, mas podem florescer em momentos inesperados. Além de acompanharmos os dilemas dos personagens, atravessados pela repressão de um Estado que desaprova esse afeto, a própria produção enfrentou dificuldades em seu país de origem.

Da América, passando pelo Irã, chegamos numa Europa quase esquecida, mas que também torna o tema efervescente. Em Blackbird Blackbird Blackberry (2023), de Elene Naveriani, se encaixa perfeitamente nessa temática de envelhecimento, sexualidade e autonomia feminina na meia-idade. A obra explora com sensibilidade a jornada de Eka Chavleishvili, que interpreta Etero, uma mulher de 48 anos vivendo sozinha em uma pequena aldeia na Geórgia. Após uma experiência de quase-morte, ela se permite viver um romance inesperado com um entregador local, desafiando normas sociais e redescobrindo sua própria sensualidade. A narrativa aborda temas como solidão, desejo e a busca por liberdade pessoal, destacando a complexidade da vida emocional e sexual na maturidade. 

Cena do filme georgiano 'Blackbird Blackbird Blackberry' da cineasta Elene Naveriani. (Crédito: TMDB)
Cena do filme georgiano ‘Blackbird Blackbird Blackberry’ da cineasta Elene Naveriani. (Crédito: TMDB)

Portanto, esses filmes são adições significativas à lista de obras que abordam o envelhecimento e a sexualidade feminina, oferecendo perspectivas honestas e tocantes sobre amor, desejo e liberdade em fases da vida que o cinema tradicional insiste em silenciar. Ou melhor, que toda uma sociedade prefere calar. E, deixando de lado a ficção, o que nos resta?

Além da ficção: o olhar dos documentários sobre o envelhecimento

Se a ficção já abre caminhos para refletir sobre a velhice, é no documentário que o tema ganha uma dimensão ainda mais íntima e transformadora. Nesse campo, a cineasta chilena Maite Alberdi se destaca como uma das vozes mais sensíveis da atualidade.

Em Agente Duplo (2020), Alberdi combina humor e investigação ao acompanhar um idoso que se infiltra em um asilo para espionar suspeitas de maus-tratos. O que nasce como uma missão quase policial se transforma em um retrato afetuoso de vínculos, solidariedade e humanidade, desarmando preconceitos sobre a vida em instituições.

Já em A Memória Infinita (2023), a diretora mergulha na história de um casal chileno, Paulina Urrutia e Augusto Góngora, marcado pelo Alzheimer, revelando como o amor resiste ao desgaste da memória. O filme é um testemunho comovente sobre intimidade, cuidado e permanência do afeto mesmo diante da perda.

Cena do filme 'A Memória Infinita' de Maite Alberdi. Com Augusto Góngora e Paulina Urrutia. (Crédito: IMDB)
Cena do filme ‘A Memória Infinita’ de Maite Alberdi. Com Augusto Góngora e Paulina Urrutia. (Crédito: IMDB)

Esses documentários desafiam os estigmas ao mostrar a velhice como território de experiências múltiplas, longe da visão reducionista de decadência. No Brasil, obras como Além do Aposento (2023), de Gabriel Martinez, e Envelhescência (2015), de Gabriel Martinez e Gabriel Uchida, também ampliam o debate ao retratar a aposentadoria como oportunidade de reinvenção. Acompanhamos pessoas reais que reafirmam suas autonomias e buscam uma vida mais plena e desejante. Os dois documentários estão disponíveis gratuitamente no Youtube. 

Outros filmes essenciais sobre envelhecimento

A Última Showgirl (2024) – drama

Dirigido por Gia Coppola, o filme acompanha uma ex-dançarina de Las Vegas que precisa reinventar sua vida longe dos palcos. Um olhar afetuoso e crítico sobre identidade, envelhecimento e reinvenção após a fama.

Filme 'A Última Showgirl' de Gia Coppola. Estrelado por Pamela Anderson. (Crédito: IMDB)
Filme ‘A Última Showgirl’ de Gia Coppola. Estrelado por Pamela Anderson. (Crédito: IMDB)

Thelma (2024) – comédia dramática

De Josh Margolin, traz a deliciosa história de uma avó de 93 anos que decide caçar golpistas que a enganaram. Com humor e ação, o filme mostra vitalidade e resistência na velhice.

Toque Familiar (2025) – drama

Sarah Friedland explora a relação entre cuidado, corpo e envelhecimento, destacando como os vínculos familiares moldam o envelhecer e a autonomia de cada indivíduo.

Era uma vez em Tóquio (1953) – clássico/drama

Obra-prima de Yasujirō Ozu, acompanha pais idosos que visitam os filhos na cidade e percebem a distância afetiva gerada pelo tempo. Uma reflexão delicada sobre família, solidão e modernidade.

'Era uma Vez em Tóquio' de Yasujirô Ozu. (Crédito: IMDB)
‘Era uma Vez em Tóquio’ de Yasujirô Ozu. (Crédito: IMDB)

A Hora do Orvalho (2023) – drama social

Dirigido por Marco Risi, aborda a velhice na Itália sob uma perspectiva política e afetiva, questionando abandono, exclusão e os direitos de uma geração que envelhece.

Cena do filme 'A Hora do Orvalho' de Marco Risi. (Crédito: IMDB)
Cena do filme ‘A Hora do Orvalho’ de Marco Risi. (Crédito: IMDB)

Lucky (2017) – drama existencial

Estrelado por Harry Dean Stanton em sua despedida das telas, o filme retrata um idoso de 90 anos enfrentando a finitude com serenidade, filosofia e toques de humor.

A Última Vingança (The G, 2023) – Suspense

Karl R. Hearne subverte os estereótipos da velhice ao apresentar Ann Hunter, uma avó que, após ser internada à força em um asilo por um guardião corrupto, decide reagir. O filme transforma o envelhecer em território de resistência e ação, colocando sua protagonista no centro de um thriller de vingança que evidencia a luta por autonomia e dignidade.

Pacarrete (2019) – drama/biográfico

De Allan Deberton, narra a história real de uma bailarina cearense idosa que nunca desistiu de dançar. Uma celebração da arte, da resistência e da potência criativa na velhice.

'Pacarrete' de Allan Deberton com Marcélia Cartaxo. (Crédito: IMDB)
‘Pacarrete’ de Allan Deberton com Marcélia Cartaxo. (Crédito: IMDB)


O cinema tem muito a ganhar quando entende que envelhecer não é acabar, mas enxergar a vida por outra ótica. Quem assiste também ganha, sobretudo quem se reconhece nessas histórias. Nos últimos anos, uma leva de filmes sobre o tema vem sendo celebrada em festivais e premiações da sétima arte. E não à toa: buscamos mais representatividade nas telas. Os tempos mudaram, e nossa expectativa de vida é cada vez maior em comparação às últimas décadas. Cada vez mais teremos pessoas mais velhas se empoderando de seus desejos — e o cinema, quando se abre a essas narrativas, terá algo lindo para filmar. 

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