Quem assiste aos filmes do cineasta Wes Anderson de maneira cronológica vai notar que há uma mudança de tom considerável no cinema do americano em Ilha dos Cachorros. O tom passou a ser mais existencial, com diálogos mais ácidos. Isso aumentou em A Crônica Francesa e chegou ao seu ápice em Asteroid City — tudo isso, provavelmente, por conta da parceria com o roteirista Roman Coppola, filho de Francis Ford. Agora, ele insiste nessa linguagem com o novo O Esquema Fenício, o mais fraco dessa sua quadrilogia informal.
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Estreia desta quinta-feira, 29, o longa-metragem conta a história de um magnata bilionário (Benicio Del Toro, brilhante como sempre) que, após várias tentativas de assassinato, decide se reaproximar da filha (Mia Threapleton, filha de Kate Winslet) para que ela o ajude a tornar realidade uma série de projetos mirabolantes — são os esquemas do tal título — em uma região pouca explorada pelo homem. Garante que será lucro garantido por 150 anos.
O Esquema Fenício, um filme dividido
Bastante esquemático e com uma divisão crua de capítulos, O Esquema Fenício é um filme que parece não estar interessado em discutir uma ideia ou sentimento, como Ilha dos Cachorros discute amizade, lealdade e solidão ou, então, Asteroid City fala sobre luto.
Em essência, é um filme que não tem um objetivo ou ideia clara do início ao fim. Há ousadias visuais de Anderson aqui, principalmente no que diz respeito à violência, mas passa longe do brilhantismo criativo de Asteroid City, quando o norte-americano questionou, de maneira contundente, como sentimentos depressivos podem se abater sobre uma pessoa ou comunidade. A força sentimental desses outros trabalhos some para dar lugar a uma trama calculada, quase fria, em que uma conta na tela parece resolver os imbróglios.
Existem alguns momentos que se aproximam de uma discussão mais profunda, porém. Um exemplo se concretiza com as sequências de Del Toro no céu, questionando o conceito de finitude e fé. Em coletivas de imprensa durante Cannes, o diretor também falou como o foco e coração da história é compreender a transformação de um homem e como se relaciona com a família. Tudo isso, porém, aparece de maneira dispersa em um roteiro que nunca se encontra. Anda em zigue-zague, cumprindo funções, para passar à margem das ideias.

Ainda Wes Anderson
Seria injusto dizer, porém, que O Esquema Fenício é um filme apático por conta desses motivos. Pelo contrário. Apesar da falta de um foco e de ideias mais concretas, passeando em um mundo etéreo que nunca se concretiza, o longa-metragem tem coração. Ainda é aquele Wes Anderson de histórias emocionantes e simpáticas como Moonrise Kingdom.
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O humor está tão afiado como não visto desde O Grande Hotel Budapeste e há um cuidado extra com o elenco, que ajuda a humanizar essa história quase frígida. Principalmente Del Toro, esse ator completo que merecia muito mais atenção pelo seu trabalho em Hollywood.
O Esquema Fenício não é ruim, talvez apenas decepcionante após um filme tão certeiro como Asteroid City. Obviamente, fãs de Wes Anderson vão se empolgar com o visual marcante e o trabalho, novamente, com grandes nomes da indústria. No entanto, é difícil passar incólume ao gosto amargo de ter uma trama notadamente inferior, sem a vida e o brilho de títulos anteriores — ainda mais quando falamos sobre Wes Anderson, esse cineasta que construiu um cinema próprio e com um brilhantismo bem particular.