O título no plural não é mera opção do acaso. Ritas, longa-metragem que chegou aos cinemas na última quinta-feira, 22, tem uma tarefa como propósito: entender quem é Rita Lee em suas várias faces e olhares. Isso mesmo: Rita Lee deve ser tratada no presente. Morreu em 2023, mas se perpetua. Prova disso são as várias homenagens que surgem sempre — já são dois filmes sobre a cantora, este novo e um outro que já está disponível no HBO Max.
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“Acho que o que me ajudou muito a entender essa equação [de como falar sobre ela] foi o nome do filme: Ritas. O plural, sabe? Isso abriu tudo. Não dava pra fazer um recorte fechado, porque que recorte seria esse? A ideia era justamente abraçar a pluralidade dela. A intensidade, a complexidade, tudo isso que faz da Rita quem ela é”, contextualiza o diretor do filme, Oswaldo Santana.
Leia, abaixo, a entrevista completa do Filmelier com Oswaldo, cineasta que falou sobre Rita Lee, música, memória e, claro, Ritas.

Como foi o início de tudo?
Bom, tudo começou com a compra dos direitos autorais da autobiografia da Rita pela Biônica Filmes. Esse foi o start. A partir dessa negociação, surgiu a proposta de fazer o filme. A gente começou então com uma grande entrevista com a Rita, essa que é a base do documentário. Paralelamente, iniciamos também o processo de pesquisa. Esses foram os dois pilares iniciais. Depois, recebemos um material espetacular da própria Rita se gravando, além de muita coisa pré-existente, gravações feitas por eles mesmos, bem caseiras, familiares… Isso tudo foi ajudando a construir a base do filme.
Aí, numa etapa seguinte, a gente abriu uma nova frente de pesquisa voltada para materiais fotográficos. E com esse material, trouxemos uma nova camada ao filme, que são as animações. Nosso diretor de arte, Carlos Fernandes, e o animador, Gabriel Vitara, entraram nessa fase pra criar esse universo gráfico a partir das fotos.
O projeto começou em 2018. Até 2020 — quando veio a pandemia — a gente estava em uma determinada etapa. Com a pandemia, esse processo da Rita se gravar se intensificou, ganhou um novo sentido, até uma nova justificativa. A reclusão, o diagnóstico dela… Tudo isso acabou sendo parte do processo, inclusive do nosso amadurecimento em relação à linguagem, aos formatos que o filme poderia ter.
E quanto tempo durou, no total, esse processo todo?
Começou em 2018, e eu fechei o corte final em dezembro do ano passado.
Nossa, então foi um processo longo.
Muito longo. Claro que não foi contínuo, teve etapas, pausas… A gente costuma dizer que teve fases de “decantação”, sabe? Para que as ideias pudessem assentar. E embora o corte final tenha sido fechado em dezembro, a estrutura do filme mesmo — aquilo que passamos a acreditar como o formato definitivo — a gente já tinha descoberto em 2022, 2023. Depois disso, foi uma questão de aprimorar. Tinha o trabalho de licenciamento, a recuperação e o restauro de imagem e som… Tudo isso interfere no corte final. Por isso eu falo que o corte final veio em dezembro, porque algumas peças ainda foram mudando ao longo desse processo técnico e legal.
E como foi a troca com a Rita e com a família dela? Teve alguma proibição? Sabemos, por exemplo, que a questão dos Mutantes não é bem resolvida…
Olha, não teve nenhum tipo de tabu. Para a Rita, isso nunca existiu. Não teve esse negócio de “isso pode”, “isso não pode”. Claro, a gente foi compartilhando com eles as evoluções do processo. Quando surgiam dúvidas sobre caminhos criativos, a gente mostrava pra eles. Tudo foi muito compartilhado. Mas nunca houve imposições. Ela mesma dava sugestões, dizia “putz, isso ficou realmente bom”, ou então questionava algo tipo “será que isso aqui funciona?”. Foram trocas criativas muito ricas. Mas sempre no terreno da sugestão, nunca da censura.
Como foi equilibrar todas as facetas da Rita: os tons da vida pessoal, da música, da família, das drogas… Como foi montar essa equação?
Acho que o que me ajudou muito a entender essa equação — essa matemática — foi o nome do filme: Ritas. O plural, sabe? Isso abriu tudo. Não dava pra fazer um recorte fechado, porque que recorte seria esse? A ideia era justamente abraçar a pluralidade dela. A intensidade, a complexidade, tudo isso que faz da Rita quem ela é.
A partir do momento que a gente se libertou pra isso — pra dizer “são Ritas” —, ficou mais fácil buscar esse equilíbrio. E esse trabalho foi muito orgânico. O documentário nasce muito dentro da ilha de edição, ainda mais quando é baseado em arquivo. O que funciona num momento, lá na frente pode não funcionar mais. E às vezes volta a funcionar depois. É um processo de tentativa e erro, como a escolha das músicas: que música abre aquela cena, que música carrega um duplo sentido ali, vale a pena ou não? Então, montar é também remontar.
Assistindo ao filme, é impossível não sentir que a Rita estava muito à frente do seu tempo. Ou que nós é que ficamos muito caretas com o passar dos anos. Talvez as duas coisas, né? Como você vê isso?
Acho que é importante trazer de volta as memórias da Rita Lee, dessas figuras tão fundamentais da nossa cultura. A Rita era transgressora, intensa, verdadeira. E justamente por isso ela nos mostra o quanto a gente ficou careta, ou até envergonhado. São palavras que nunca fizeram parte do vocabulário dela. Ela falava com propriedade sobre temas que até hoje são atuais: política, causa animal… Tudo isso só ganha mais dimensão com o passar do tempo.
Exemplo disso é quando ela mostra aquele altar dela, com a Hebe Camargo, com ela mesma… Aquilo diz tanto sobre como ela não tinha fronteiras no entendimento do mundo, né?
Exato. Aquele momento do altar é magnífico. E eu achei até que você ia mencionar o show em que ela aparece fantasiada, interpretando… Aquilo também é de um material raríssimo. Ela não confrontava por confrontar. Era uma posição de vida. E, com o tempo, a gente percebe o quanto ela estava certa.