Com Partir un Jour (França, 2025), o Festival de Cannes continua com o péssimo hábito de abrir com longas-metragens medíocres. No ano passado, a abertura foi com a comédia Segundo Ato (Le Deuxième Acte, 2024) de Quentin Dupieux, que pelo menos contava com Louis Garrel e Léa Seydoux no elenco e um diretor de certa fama. Em 2023, A Favorita do Rei (Jeanne du Barry, França, Reino Unido, Bélgica, 2023) de Maïwenn, tinha a desculpa de ser a biografia de uma personagem histórica francesa estrelada por Johnny Depp –um personagem que nem sempre causa simpatia, mas que certamente faz barulho. E em 2022, Final Cut (França, Estados Unidos, Japão, 2022) era dirigido por Michel Hazanavicius, vencedor de cinco Oscars com O Artista (The Artist, França, EUA, Bélgica, 2011), incluindo filme e direção.
É mais difícil de entender por que o longa-metragem de estreia na ficção da francesa Amélie Bonnin, foi escolhido para inaugurar a 78ª edição, na noite desta terça-feira, 13. O festival se encerra no sábado, 24, com o anúncio dos premiados.
Partir un Jour é uma abertura decepcionante para o Festival de Cannes 2025
Partir un Jour é o primeiro longa de estreia de uma mulher a abrir o Festival de Cannes, mas esse não parece ser um motivo forte o suficiente. Ele é baseado em um curta-metragem de mesmo nome, que ganhou o César –o Oscar francês– em 2023. Desta vez, Bonnin, que escreveu o roteiro com Dimitri Lucas, transformou a mulher em protagonista, sendo ela a pessoa que volta à sua cidade e reencontra seu amor do passado.
Cécile (a cantora e compositora Juliette Armanet) é uma chef de cozinha que participou da versão francesa de Top Chef. Ela está prestes a abrir em Paris seu primeiro restaurante com o parceiro, Sofiane (Tewfik Jallab), quando descobre estar grávida. Em seus 40 e poucos anos, ser mãe não está nos planos de Cécile. Ela está decidida a não ter o bebê quando recebe a notícia de que seu pai, Gérard (François Rollin), cozinheiro de um restaurante de beira de estrada, sofreu um infarto. A contragosto, ela parte para sua cidade natal, onde depara com a teimosia do pai, o cansaço da mãe, Fanfan (a ótima Dominique Blanc, de longe a melhor atuação), e, claro, reencontra seu antigo amor, Raphaël (Bastien Bouillon).
É um longa de trama banal. Seu diferencial é ser um musical. A trilha é composta por canções francesas conhecidas, como aquela do 2BE3 que dá título à obra. Elas são interpretadas sem muitos adornos pelos atores, como se estivessem cantarolando em casa, e foram gravadas ao vivo no estúdio. Cada cena foi repetida até que a diretora estivesse contente com a atuação e depois repetida para focar em afinação e precisão. As coreografias também não têm nada de espetacular.
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Mesmo banal, filme é uma tentativa de subverter um gênero
Talvez Partir un Jour seja um pouco mais divertido para quem conhece bem as canções –como seria no caso de um musical brasileiro soltar uma música do Dominó ou um pagode famoso. Ainda assim, ficaria faltando um polimento visual para que o filme fosse minimamente interessante.
Amélie Bonnin claramente quer subverter os tropos dos musicais e das comédias românticas ao estilo Lifetime ou Hallmark, em que a mocinha descobre seu amor na cidade de onde saiu um dia para perseguir sonhos grandiosos. Seus personagens não são glamurosos, nem charmosos, nem tomam as decisões esperadas. Transgressões em gêneros que muitas vezes não escapam da mesmice são bem-vindas, mas o filme não consegue escapar do lugar-comum. Há sinais de que alguns relacionamentos poderiam ter sido interessantes se bem desenvolvidos, como de Cécile com a mãe e com seus amigos de infância –ela parece ter sido a única menina em um grupo composto por três rapazes, Raphaël, Heddy (Mhamed Arezki) e Richard (Pierre-Antoine Billon).
Não chega a ser um sofrimento assisti-lo, mas é uma obra muito insossa para abrir o festival de cinema mais importante do mundo. Sempre é muito mais animador quando se tem um filme do calibre de Up: Altas Aventuras (EUA, 2009) inaugurando Cannes. Depois de uma cerimônia em que Robert De Niro recebeu a Palma de Honra das mãos de Leonardo DiCaprio e agradeceu com palavras corajosas, Partir un Jour foi uma decepção.