O cineasta Paul W. S. Anderson é um homem incompreendido. Marcado pela instabilidade da franquia Resident Evil, o cineasta é sempre citado como a escória de Hollywood — o homem dos projetos sem rumo, sem força, sem vitalidade. Não é verdade. Tudo bem que o cineasta já deu fortes tropeços (Monster Hunter talvez seja seu trabalho mais fraco), mas há outros resultados que compensam: o ótimo e subestimado Pompeia, o ousado Corrida Mortal e por aí vai. Nas Terras Perdidas (In the Lost Lands), estreia desta quinta-feira, 17, é mais uma prova de que britânico realmente tem algo a falar.
Baseado em um conto de George R. R. Martin, o autor de Game of Thrones, a história acompanha a jornada de uma bruxa (Milla Jovovich) que, após escapar da forca, precisa fugir de forças policiais de um reino ditatorial num futuro distante e distópico. Ao seu lado, um capanga mercenário (Dave Bautista) a ajuda a explorar as Terras Perdidas em busca de um lobisomem. Caótico, não?
História de ‘Nas Terras Perdidas’
Apesar de parecer na superfície mais um filme genérico de monstros em futuros distópicos, Nas Terras Perdidas parece ser um espaço de protesto e experimentação do cineasta britânico. Assim como símbolos do mundo real são destruídos e substituídos na película (como a Igreja e o Estado, nos exemplos mais óbvios e impactantes), Anderson trabalha aqui numa espécie de desconstrução do cinema. Há ecos bem óbvios de Resident Evil, principalmente em termos mitológicos, mas Anderson está mais interessado em provocar o espectador.

A tela verde atrás de Bautista e Jovovich é exagerada. Difícil, muitas vezes, distinguir qualquer coisa real e palpável na tela — os próprios atores, em alguns momentos, parecem apenas rabiscos virtuais. O tom de quadrinho ganha forma em vários momentos, principalmente em inspirações óbvias do cinema de Robert Rodriguez a partir da estética de Sin City, mas é o videogame que parece forçar a barreira.
Entre o videogame e o cinema
Não é exagero dizer que o longa-metragem parece um remendo genérico de um game de Mad Max. Anderson bebe de várias fontes para criar seu mundo distópico estranho e perturbador. Assim como a história destrói símbolos e instituições, o britânico também tenta, em um exercício comportamental, ampliar esse sentimento de fim do mundo para quem está sentado na cadeira do cinema. É óbvio que isso irá, de alguma forma, gerar reações adversas — na sessão em que estava, uma boa quantidade de pessoas levantou e foi embora.
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Mas Nas Terras Perdidas é um exercício visual, narrativo e estilístico que exige isso — o desconforto, a repulsa, a incompreensão. Parece ser o ápice de tudo que Paul W. S. Anderson tentou fazer em sua carreira, culminando nessa ironia entre narrativa distópica com a reinterpretação visual da telona. É estranho? É. Pode soar como um filme horroroso? Pode. Mas quem ultrapassa essa barreira, no final, irá ficar maravilhado.
Alguns colegas, aliás, avaliaram o filme em cotação máxima no Letterboxd. E dá para entender o raciocínio.
Diversão, ‘Nas Terras Perdidas’ e George R. R. Martin
Além de toda essa experimentação visual e estética, Nas Terras Perdidas ainda arranja espaço para ser bom entretenimento. Tudo bem que o filme perde a mão aqui e ali. Mas, no geral, há um trabalho interessante para o longa-metragem soar como uma aventura correta.
Afinal, há elementos variados que fazem sucesso no cinema de aventura, ação e ficção científica. Plot twist, lobisomens, apocalipse, fim do mundo, famílias reais. É como se tudo isso, também, fosse uma afronta de Anderson. Muito criticado, parece que ele juntou tudo aquilo que fez sucesso nos últimos anos e está questionando o motivo daquilo ser tratado como algo trash quando é ele dirigindo.
Ou seja: há garantia de diversão, inclusive com um final surpreendente. Assim, no final das contas, Paul W. S. Anderson faz o trabalho que parece ter se preparado durante toda a carreira. Afrontoso, estranho, disruptivo, curioso, divertido. É hora de deixar o preconceito de lado e entender, enfim, que Paul W. S. Anderson tem algo a dizer.